segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Banzo


Há alguns meses eu havia escrito sobre uma árvore que tinha ganhado de presente e sobre quanta vida e alegria ela tinha trazido para a nossa casa. Estranhamente, pouco depois de publicar o texto, a planta começou a definhar. O processo foi longo e sofrido. Com imensa tristeza, vimos as folhas começarem a queimar nas pontas, depois a secar e, por fim, assistimos a cada uma cair no chão. Os meses passavam e parecia que a árvore dava seus últimos suspiros. Com muito esforço, chegava a gerar brotos de novas folhas, mas por alguma razão desconhecida, por mais que se aguasse ou trocasse o vaso de lugar, algo simplesmente os impedia de vingar. Olhei para aqueles galhos secos e senti que era uma luta perdida. Imaginando que a nossa varanda não era o ambiente ideal para aquela espécie, comecei a considerar outras árvores para colocar em seu lugar.

Apesar do meu parco conhecimento botânico – e recentemente passei a assistir a um excelente programa na TV Cultura, “Um Pé de Que?”, para diminuir essa defasagem –, na hora me lembrei das pimenteiras e da crença de que elas murcham quando há mau-olhado em algum lugar. Afinal, se existe algo que irrita grande parte da população é alegria, felicidade e bom-humor, ainda mais quando motivados por coisas simplórias, como plantas ou sol, em vez de coisas mais importantes, como dinheiro. E de fato, àquela época, de mudança para uma casa nova com varanda e sem boletos de aluguel, eu provavelmente deveria parecer insuportavelmente contente aos olhos de quem estava tendo uma semana qualquer.

Superstições deixadas de lado, não comprei pimenteira, nem olho grego, nem espelhos para colocar na parede. Na verdade, em momento algum levei a sério a hipótese de que a árvore pudesse morrer por causa de inveja ou de energia negativa. Tendo a precisar de algo mais científico para me ater. E como toda casa sempre tem algo faltando ou algum conserto pendente, deixei outros assuntos ganharem prioridade antes de decidir o que fazer.

Um evento interessante que já deve ter sido amplamente estudado e descrito cientificamente é a capacidade humana de parar de prestar atenção em coisas que vemos todos os dias. Um exemplo clássico é quando dirigimos “no automático”. De tão acostumados com um caminho, quando percebemos, já estamos chegando ao destino e mal lembramos de termos percorrido as ruas anteriores. Eu, distraído por vocação, tenho praticamente uma cegueira para objetos rotineiros. Sou o típico sujeito que nunca encontra o abridor de latas na gaveta. Perco mais tempo procurando o carregador de celular do que de fato carregando a bateria. E, como era de se esperar, havia semanas que eu não observava a planta na varanda.

Foi por isso que ontem, no meio do jantar, tomei um susto ao perceber que a árvore estava repleta de folhas verdes e tinha quase o mesmo aspecto com que chegou para a gente. Minha mulher, com toda a naturalidade, lançou a sua teoria. “É assim mesmo. As folhas secam e depois nascem de novo.” É muito provável que ela tenha razão, mas confesso que essa tese de ciclo da planta me parece simplista e um tanto sem graça. Meu imaginário sugere que a árvore deva ter passado por um período de adaptação ao novo lar. Um “banzo” vegetal, aos moldes dos escravos africanos, que chegavam a adoecer e até a morrer de saudades da sua terra natal. 

Só o tempo dirá o que aconteceu. Se as folhas caírem novamente, voltaremos a varrê-las do chão, desta vez com a certeza de que logo tudo voltará ao normal. Se a árvore se mantiver cheia daqui por diante, ganha vida a minha hipótese, de que era preciso um tempo para ela se acostumar com a casa, para se sentir à vontade e voltar a respirar. E quanto à crença do mau-olhado, caso tenha existido algum, não tenho dúvidas de que acertamos no antídoto: simplesmente ignorar.


4 comentários:

  1. Que boa notícia, Fábio !

    O Matinho da Vila voltou a sorrir.

    Deve ser a boa energia do lar de vocês que deu forças a ele !

    Beijos

    Mãe

    ResponderExcluir
  2. Prazer, Fábio. Eu sou a Guta, uma nova fã incondicional de seus textos e de suas experiências. Em 2008, conheci sua esposa por uma grande amiga minha, a Paulinha, em uma viagem a São Paulo (mas tenho quase certeza que a Ana não se lembra de mim pois não tivemos mais contato). Em 2011, a Paulinha me falou sobre seu blog, de como eram lindas e inspiradoras suas palavras. Mas, foi somente há duas semanas que tive a GRANDE honra de ler. Comecei lá do primeiro texto e, diariamente, no final de cada expediente, era quase obrigatório ler seu blog. Até que me tornei adicta. Hoje, dia em que alcancei a sua última publicação - e já me sinto em abstinência - resolvi agradecer por você encher os meus olhos com suas palavras e o meu coração com seus sentimentos.

    Guta

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Guta, bem-vinda. Fico imensamente honrado que tenha resolvido ler o blog todo, de ponta a ponta. Ainda me surpreendo quando alguém comenta que fez isso. Fique tranquila com a nova adição, porque toda segunda (ou terça, quando me atrapalho), tem texto novo aqui. Bj

      Excluir