segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Chorume literário


Preocupado com o futuro e motivado por uma imortal esperança de organizar minha vida financeira de um jeito mais inteligente, decidi ler alguns livros de autoajuda sobre o tema.

Não assumo isso sem embaraço, já que autoajuda é aquela categoria que invariavelmente traz valores depreciativos ao seu leitor, seja ele um verdadeiro desesperado, seja ele apenas um curioso.

Assim como todo mundo, também sinto pena ao observar alguém tirando uma edição de “Como Fazer Amigos & Influenciar Pessoas” da prateleira. A mim, parece óbvio que a lição número 1 para se fazer um amigo deveria ser “não leia um livro cuja capa revele que você não tem nenhum.”

Porém, ao ter coragem de ler meus livros de autoajuda (juro que não são muitos) somente em ambientes privados, geralmente trancafiado no quarto, percebi algo bastante preocupante: precisar de ajuda é algo que envergonha as pessoas. E buscar ajuda – uma atitude louvável 100% das vezes – é visto, quase na mesma porcentagem, como fraqueza ou algo constrangedor.

Talvez o preconceito esteja em pagar por essa ajuda, já que um bom bate-papo com um amigo ou um familiar é um remédio largamente utilizado desde quando o homem parou de marretar mulheres na cabeça e começou a se comunicar. Porém, dentro de cada um de nós reside algum preconceito inexplicável com relação a ressarcir alguém ou adquirir algum produto que ofereça uma ajuda mais profissionalizada. Psicólogo é coisa de louco. Personal trainer é frescura de rico. Professor particular é pra burro. Site de namoro é pra quem não consegue comer ninguém. E a lista segue.

O problema é que, com medo de julgamento ou de virar chacota entre os amigos, ficamos em um limbo em que nem buscamos alguém que possa resolver a situação, nem adotamos uma atitude “faça você mesmo”, tão comum nos Estados Unidos, não por acaso, um dos países que mais cria best-sellers mundiais de autoajuda.

Independentemente das inúmeras promessas falsas estampadas nos títulos desses livros, e mesmo com a compreensível equiparação a chorume editorial – muitos, de fato, são terrivelmente escritos e traduzidos –, as imensas mesas sobre o tema na porta de cada livraria são um sinal inegável de algo importante: todos nós queremos algum tipo de ajuda. Na maioria das vezes, com soluções fáceis, sim. Muitas vezes amparados por teorias improváveis, sim. Cegos por ilusões e fantasias, sim. Mas queremos. E não há mal nenhum em pagar por ela, ainda mais se for um livro barato. Relaxe e goze. Se preciso, em 10 lições. 

Feita toda essa defesa, segue abaixo a lista de livros de autoajuda que pretendo escrever. Decidi seguir a primeira lição da minha atual leitura financeira: “faça seu dinheiro trabalhar por você”. Como bom publicitário, resolvi lançar essa campanha teaser, com custo zero, para ver se cola. Quem sabe alguém por aí se interesse por um dos títulos? Ou quem sabe um dia eu tome vergonha na cara e realmente arranje um bom tema para escrever.


  1. Como Prometer Textos para Segunda e Fazer com que as Pessoas Aceitem na Terça. Ou na Quarta.

  1. Crie Teses Semanais com Pensamentos Baseados em Nada

  1. Cozinha Criativa – Desculpas e Receitas para o Lanche da Meia-Noite

  1. 500 Coisas Mais Importantes do que Lavar a Louça

  1. Seja Feliz Dormindo – Lições Para Quem Ainda Não Tem Filhos

Aceitamos encomendas.


Dale Carnegie, autor de "Como Fazer Amigos & Influenciar Pessoas", pensando nos milhões que ganhou.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Banzo


Há alguns meses eu havia escrito sobre uma árvore que tinha ganhado de presente e sobre quanta vida e alegria ela tinha trazido para a nossa casa. Estranhamente, pouco depois de publicar o texto, a planta começou a definhar. O processo foi longo e sofrido. Com imensa tristeza, vimos as folhas começarem a queimar nas pontas, depois a secar e, por fim, assistimos a cada uma cair no chão. Os meses passavam e parecia que a árvore dava seus últimos suspiros. Com muito esforço, chegava a gerar brotos de novas folhas, mas por alguma razão desconhecida, por mais que se aguasse ou trocasse o vaso de lugar, algo simplesmente os impedia de vingar. Olhei para aqueles galhos secos e senti que era uma luta perdida. Imaginando que a nossa varanda não era o ambiente ideal para aquela espécie, comecei a considerar outras árvores para colocar em seu lugar.

Apesar do meu parco conhecimento botânico – e recentemente passei a assistir a um excelente programa na TV Cultura, “Um Pé de Que?”, para diminuir essa defasagem –, na hora me lembrei das pimenteiras e da crença de que elas murcham quando há mau-olhado em algum lugar. Afinal, se existe algo que irrita grande parte da população é alegria, felicidade e bom-humor, ainda mais quando motivados por coisas simplórias, como plantas ou sol, em vez de coisas mais importantes, como dinheiro. E de fato, àquela época, de mudança para uma casa nova com varanda e sem boletos de aluguel, eu provavelmente deveria parecer insuportavelmente contente aos olhos de quem estava tendo uma semana qualquer.

Superstições deixadas de lado, não comprei pimenteira, nem olho grego, nem espelhos para colocar na parede. Na verdade, em momento algum levei a sério a hipótese de que a árvore pudesse morrer por causa de inveja ou de energia negativa. Tendo a precisar de algo mais científico para me ater. E como toda casa sempre tem algo faltando ou algum conserto pendente, deixei outros assuntos ganharem prioridade antes de decidir o que fazer.

Um evento interessante que já deve ter sido amplamente estudado e descrito cientificamente é a capacidade humana de parar de prestar atenção em coisas que vemos todos os dias. Um exemplo clássico é quando dirigimos “no automático”. De tão acostumados com um caminho, quando percebemos, já estamos chegando ao destino e mal lembramos de termos percorrido as ruas anteriores. Eu, distraído por vocação, tenho praticamente uma cegueira para objetos rotineiros. Sou o típico sujeito que nunca encontra o abridor de latas na gaveta. Perco mais tempo procurando o carregador de celular do que de fato carregando a bateria. E, como era de se esperar, havia semanas que eu não observava a planta na varanda.

Foi por isso que ontem, no meio do jantar, tomei um susto ao perceber que a árvore estava repleta de folhas verdes e tinha quase o mesmo aspecto com que chegou para a gente. Minha mulher, com toda a naturalidade, lançou a sua teoria. “É assim mesmo. As folhas secam e depois nascem de novo.” É muito provável que ela tenha razão, mas confesso que essa tese de ciclo da planta me parece simplista e um tanto sem graça. Meu imaginário sugere que a árvore deva ter passado por um período de adaptação ao novo lar. Um “banzo” vegetal, aos moldes dos escravos africanos, que chegavam a adoecer e até a morrer de saudades da sua terra natal. 

Só o tempo dirá o que aconteceu. Se as folhas caírem novamente, voltaremos a varrê-las do chão, desta vez com a certeza de que logo tudo voltará ao normal. Se a árvore se mantiver cheia daqui por diante, ganha vida a minha hipótese, de que era preciso um tempo para ela se acostumar com a casa, para se sentir à vontade e voltar a respirar. E quanto à crença do mau-olhado, caso tenha existido algum, não tenho dúvidas de que acertamos no antídoto: simplesmente ignorar.