Qualquer mente com as sinapses em ordem, ao refletir sobre a
evolução tecnológica do mundo, rapidamente chega à conclusão de que a preguiça
é a maior inventora de todos os tempos. Foi a preguiça de andar quem inventou a
roda. Foi a preguiça de subir degraus quem inventou o elevador. Foi a preguiça
de lavar panelas quem inventou o micro-ondas. E, apesar de alguns militares e
estudantes ficarem com os créditos, foi a preguiça de encontrar as pessoas quem
inventou a internet e esse fenômeno amorfo que recentemente tomou contas das
nossas vidas: as redes sociais.
Afinal, convenhamos: relacionar-se no mundo real com outras
pessoas dá muito trabalho. Tem que se vestir adequadamente, deslocar-se até o
local combinado, chegar na hora marcada, cumprimentar com um, ou dois, ou três
beijos, em alguns casos apenas com um aperto de mãos, em outros somente com um
sinal da cabeça. Tem que rir quando alguém diz algo supostamente engraçado. Tem
que ouvir as opiniões alheias, e mais, tem que fingir interesse. Não pode coçar
praticamente nenhum lugar que coce no corpo, não pode limpar o nariz, não pode
comer de boca aberta, nem dormir se o assunto está entediante. Manter uma vida
social exige uma renúncia quase absoluta de tudo o que verdadeiramente somos, e
que deixamos à mostra apenas quando estamos trancados em um lugar seguro, como
a própria casa, ou o banheiro.
Ainda assim, mesmo sendo muito mais fácil fazer reuniões
pela internet, com camisa de botões
da cintura para cima, e cuecas samba-canção e meias sujas da cintura para baixo
(e com a escova de dentes ainda intocada), nosso eu-social, ainda habituado a
outros tempos, insiste em rever as pessoas mais íntimas de quando em quando,
mais por nostalgia do que para colocar o papo em dia.
Mas para isso são precisos heróis da resistência. Eu mesmo
estou há sessenta dias tentando organizar um pôquer com cinco camaradas na
minha nova residência e acho que nunca antes fracassei com tanto êxito. É
preciso admitir que nos primeiros meses minha casa não dispunha do aparato mínimo
nem para uma rodada decente de jogo do palitinho, muito menos para o nosso tradicional, embora raro, Texas
Hold’em: eu não tinha mesa. Porém, uma vez solucionada esta questão, meus
amigos e eu nos deparamos com outro impeditivo comum da vida moderna, muito
mais eficiente do que as antigas desculpas, como a distância ou a falta de
dinheiro para sair: a incompatibilidade de agendas. Nas últimas semanas, já
adiamos o jogo por causa de aniversários, de viagens para o exterior, de ter
que participar de uma corrida de rua, de ter que trabalhar no final de semana e
até por causa da abstinência etílica de um dos participantes, que voltaria a
beber somente dali a alguns dias e, por isso, preferia deixar o carteado para o
domingo seguinte. Não preciso nem mencionar que o tal participante já está
completamente livre para entrar em coma alcoólico, se assim o desejar, mas o jogo de
pôquer é o único que não consegue sair do lugar.
Encontrar com os amigos está pior do que marcar consulta em
médico pelo plano de saúde. Daqui a pouco vamos ter que mandar um save the date com um mês de antecedência
pra combinar um chope. E a operação não será simples. Tem que mandar mensagem
por celular, por e-mail, postar em todas as redes sociais e ainda confirmar por
telefone no dia. Apostar em apenas um meio de comunicação é muito arriscado.
Vai que o amigo é da TIM. As chances são grandes de acabar sozinho na mesa do
bar.
Entretanto, depois de superados todos os desafios, depois de estarmos todos sentados numa mesa
agradável, com uma cerveja gelada na mão e um full hand na outra, todo o esforço parece valer a pena. Voltamos às
mesmas gargalhadas, ressuscitamos as antigas piadas, desenterramos os apelidos,
repetimos as mesmas ofensas inofensivas e naquela catarse feliz, onde o bullying rola solto para todos os lados, prometemos a nós mesmos que
precisamos repetir isso mais vezes, como nos velhos tempos. “Todas as quintas!”
– sugere um. “Melhor na quarta.” – retruca outro. “No próximo sábado, ou
domingo, sem falta.” – compromete-se a maioria.
Mas vem a semana, e o trabalho, e os filhos, e o supermercado,
e o pneu furado, e o condomínio atrasado, e os compromissos, que passam como um
rolo compressor por cima de qualquer alma mais entusiasmada, e quando
finalmente chega o próximo sábado, ou domingo, a única que comparece ao
encontro é a preguiça. Essa rainha das invenções, muito solícita, não se importa em criar uma
desculpa diferente para cada um, todas rapidamente enviadas por mensagens de celular,
e-mails e avisos de redes sociais – invenções de autoria dela também, é claro. “Quem sabe no fim de semana que vem?” – insiste um mais otimista.
“Fechado!” – responde alguém, sem muito compromisso, sabendo que não será cobrado. Desligo a TV pelo controle
remoto, a obra-prima da preguiça, e penso comigo mesmo: melhor assim, o dia está
perfeito para dormir.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirApesar da correria eu não poderia deixar a semana acabar sem lhe dizer do prazer enorme que foi conhecer o Antônio e a Ana pessoalmente. Com preguiça ou sem preguiça, da próxima vez que vocês vierem a São Paulo quero ser avisada com antecedência para combinarmos um jantarzinho aqui em casa!
ResponderExcluirA vida nos dá algo para dedicarmos que muitas vezes nos faz enchergar quão pequenos são os problemas do dia a dia. Vc tem algo muito melhor em sua vida do que o simples viver. Vc tem alguém que depende de vc para ser feliz e viver feliz.
ResponderExcluirFaça-os felizes.
Vc é um homem de muita sorte.
Parabéns !!!!