“As pessoas têm um desespero tão grande para que alguém diga a elas o que fazer, que elas aceitarão qualquer coisa.” - Don Draper, publicitário |
Don Draper foi um dos profissionais de propaganda mais bem
sucedidos na Nova Iorque dos anos 60. Inteligente, criativo e extremamente
observador, criou slogans históricos como o “It’s
toasted!”, dos cigarros Lucky Strike, quando a indústria de tabaco não
tinha mais nada a dizer para diferenciar uma marca da outra. Quem fumaria um
cigarro cujo único apelo é ser tostado? – perguntariam os mais céticos. Quem
usaria uma marca cujo maior argumento é “Just
do it”? – pergunto eu a você.
Infelizmente Don Draper, por mais genial que tenha sido, é apenas
um personagem de uma série americana de televisão chamada Mad Men. Homem fictício, porém sábio. Entendeu rapidamente que a
maioria das pessoas deseja ser comandada, em vez de comandar. Deseja seguir, em
vez de liderar. Deseja ser informada, por alguém confiável – muitas vezes pelo
simples fato de ser famoso –, sobre o que é bonito e o que é feio. Sobre o que
é in e o que é out. Sobre o que é mais inteligente. Sobre o que é mais moderno.
Sobre o que é mais elegante. E principalmente sobre o que é correto e o que é
errado.
É por isso que nós publicitários utilizamos a figura da Ana
Maria Braga para anunciar as ofertas do Carrefour, embora a apresentadora provavelmente
não faça suas compras lá, nem tenha ideia do preço do quilo da cebola.
É por isso que um político pouco conhecido sempre anda de braços dados com
outro já bastante popular, numa manobra antiga, porém eficiente, para herdar a
confiança da população, mesmo sem ter experiência, plano de governo ou
capacidade para a gestão pública. É por isso que jornais e revistas convidam
para colunistas pessoas cujas ideias já conquistaram um público cativo e cujo
nome já seja associado ao pretensioso termo formador
de opinião.
Que me desculpem as ovelhas que confiam cegamente no
julgamento de padres, professores, médicos, jornalistas. Que me preguem numa
cruz os fervorosos admiradores de Arnaldo Jabor, José Dirceu, Glória Kalil ou
de qualquer outra pessoa que expresse um ponto de vista – sempre pessoal, é
importante ressaltar – sobre qualquer assunto. Na minha humilde opinião, todo
indivíduo deve ser formador de opinião. Com base em muita informação e em seus
valores pessoais, todo ser humano deve tomar posse do direito de formar a sua própria opinião.
Na última semana estourou na internet uma polêmica sobre a
coluna de Lya Luft, "O ano das criancinhas mortas", publicada na revista Veja, edição de 31 de dezembro de 2012. A
escritora, espantada e revoltada com um novo massacre ocorrido em uma
escola dos Estados Unidos, fez uma ressalva de que não poderia falar com
propriedade sobre o assunto (alguém pode?), mas mesmo assim, decidiu emitir seu
ponto de vista, pois há temas sobre os quais não se pode calar.
De maneira sucinta, Lya construiu o raciocínio de que crimes
de tal desumanidade só poderiam ser cometidos por doentes mentais. E fez uma
ligação perigosa entre tais crimes e a inclusão escolar de pessoas com
deficiência intelectual. Confundiu deficiência com doença. E expressou a opinião
de que a inclusão, forçada, gera uma necessidade de adaptação que pode estar
acima dos limites das pessoas com deficiência e que pode torná-las infelizes e perigosas.
Como pai de uma criança especial, entendo o que a autora
quis dizer. Consigo imaginar crianças com deficiência sendo alvo de piadas e
brincadeiras de mau gosto nas escolas. É inevitável. E não acho que ser a
chacota da sala ajude ninguém a se desenvolver.
Por outro lado, se a inclusão for efetiva, consigo imaginar
turmas verdadeiramente heterogêneas, em que os alunos possam conviver com as
diferenças e aprender a respeitá-las, não só no ambiente escolar, mas na vida.
Consigo imaginar escolas com estrutura múltipla e com métodos de ensino mais
abrangentes, mais focados no potencial de cada um, menos embasados em cartilhas. Tenho
certeza de que será um desafio ensinar matemática para crianças com
ritmos e capacidades diferentes de aprendizado, mas, se paramos para pensar, este desafio já
existe mesmo sem a inclusão de crianças com deficiência intelectual nas
escolas regulares de hoje em dia.
Entendo que meu filho não tenha a mesma condição de
acompanhar o conteúdo programático utilizado atualmente pelo sistema escolar,
mas não vejo por que ele deva estar separado na hora do lanche, na hora das
brincadeiras, na hora de assistir a um filme, na aula de música, de pintura, na
hora de esperar os pais na saída. Não aceito que as escolas possam se isentar
da responsabilidade de ajudá-lo a aprender, sendo que a educação é um direito garantido
por lei a toda criança, seja deficiente ou não. E mais: a convivência com as
diferenças é benéfica para todos, tanto para alunos com deficiência física,
intelectual ou múltipla, quanto para estudantes sem estas condições,
professores e pais. Torna-nos mais humanos, mais tolerantes, mais pacíficos e
mais preparados para a vida.
O tropeço de Lya Luft foi escrever uma opinião antipopular e
pouco fundamentada, sobre um assunto delicado e complexo, em uma publicação de enorme
abrangência. Para mim, isto não invalida a credibilidade da autora. É humana,
como todos nós, passível a erros e capaz de admiti-los e consertá-los. A polêmica é até
proveitosa, pois leva o assunto a pessoas que dificilmente seriam alcançadas se
o texto não tivesse gerado controvérsias. Ouso apenas sugerir que você não siga
irrestritamente a opinião de ninguém: nem de Lya Luft, nem dos que a estão
apedrejando. Construa a sua. É mais seguro. Senão daqui a pouco Don Draper convoca a escritora pra falar do irresistível sabor da nova Doriana. E você fará o que ela
mandar, sem nem perceber.
Caso queira ler o texto de Lya Luft e algumas das réplicas
geradas, o site Inclusive fez um ótimo apanhado. Confira aqui.
Oi, Fábio, estou aqui de novo. A escolha da escola é, de fato, uma das coisas mais difíceis que tive que fazer neste último final de ano. Para você ter uma idéia eu cheguei a matricular os dois em duas escolas diferentes até me decidir por uma completamente fora do perfil que eu estava procurando inicialmente. E olha que o eu não sou super exigente. Falo isso por que um dos meus critérios era ser uma escola inclusiva. Eu acho importante que as crianças aprendam desde cedo a conviver com as diferenças e a respeitá-las. O que me chamou a atenção é que sempre que eu perguntava se a escola era inclusiva, as pessoas não só se espantavam como sempre me diziam que sim, mas que eu não me preocupasse por que seria somente um por turma, para que a professora pudesse atendê-lo melhor. Das várias (várias) escolas que eu visitei na Asa Sul, só duas me pareceram ter a experiência e segurança necessárias para um projeto inclusivo real. Uma das quais foi a escolhida para acolher os meus filhos. Acho que ainda há muitos preconceitos a superar, mas um dia chegamos lá.
ResponderExcluirMarcela, por favor, depois me passe o nome destas duas escolas que te agradaram mais. Penso que seria bom para o Antonio entrar na escola já no próximo ano. Vou utilizar este ano para avaliar as opções. Que bom que vc se empenhou nesta busca. Sem dúvida, será muito bom para os seus filhos. bj
ExcluirFábio,
ExcluirTe mandei por mensagem no Facebook. Se não aparecer na sua caixa de entrada, procura em "outras". Às vezes, quando recebo mensagens de pessoas que não estão na minha lista de amigos, elas vão parar lá. bj.
Ok. Vi lá. Obrigado. bj
ExcluirOlá fabio, gostei muito do seu texto ponderado e franco, como deveria ser todos que tratasse com assuntos assim, muito bom mesmo. Sou pessoa com deficiência (paralisia cerebral), cadeirante e formado em publicidade e técnico de informatica. Eu nunca trabalhei na área de publicidade por causa que as agencias de publicidade até hoje nunca me deram uma chance e fiquei apenas com o diploma, como vê, o preconceito vem de todas as maneiras e de todos os lugares. Eu tenho um blog junto com minha noiva chamado Ser um Deficiente, onde também escrevo sobre a inclusão e minhas ideias. Se quiser ler, aqui o link: http://serumdeficiente.wordpress.com/
ResponderExcluirTem também um texto que fala sobre a Lya Luft
Obrigado, Amauri. Ter um feedback positivo de pessoas com deficiência é MUITO importante, pois dá mais credibilidade ao que digo por aqui. Acabei de entrar no seu site, dei uma olhada e vi que tudo é muito bem pensado por lá. Lerei algumas postagens com calma mais tarde e deixo um alô por lá. Obrigado por comentar por aqui. Fique à vontade neste espaço. Abraço
ExcluirFábio,
ResponderExcluirPercebo que depois de muito tempo lendo por aqui, seus textos (sempre muito bons) estão mais serenos, mais informativos, mais questionadores, sem deixar a sensibilidade de lado.
Não me acabo mais de chorar... Mas ao final de cada texto, me importo mais com o Antonio, com o mundo que deixaremos para ele e para as outras crianças (inclusive para as minhas), para as crianças que deixaremos para o mundo, para os preconceitos, para a sensibilidade, para a inclusão... Alguns desses assuntos nem sequer faziam parte do meu repertório diário.
Que pena que a Lya Luft não leu seu blog antes de escrever...
Parabéns pelo belíssimo trabalho!!
Beijos
Flávia, também sinto mais serenidade no que escrevo. É reflexo de um pouco mais de tranquilidade com relação ao Antonio. Um pouco mais de aceitação. E, principalmente, do gradual abandono das lamentações. Estamos deixando espaço para entrar o lado bom de conviver, aprender e crescer com o Antonio. Haverá ainda textos para chorar, pode apostar. Quando as emoções estão muito em cima ou muito embaixo, geralmente é quando escrevo mais. Aí volto ao centro, onde tudo tem um pouco mais de ponderação. Fico imensamente feliz que você lê meus textos. E que eles contribuam para as suas opiniões. bj
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