segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Acho que cabe uma jubarte


Medidas não passam de pontos de referência mentais. Parâmetros comparativos e relativos, que mudam conforme o tempo e o espaço. Quantos calendários já existiram na história? Quantos valores já definiram o alto e o baixo, o rápido e o lento, o rico e o pobre? Quantos números de sapato você calça ao redor do mundo, nos mais diferentes países? E um dos efeitos mais interessantes da abstração e da relatividade dos sistemas de medição: quantas vezes retornamos a um lugar em que vivemos na infância e nos impressionamos com o fato de ele hoje parecer bem menor do que lembrávamos? A realidade é a mesma. Então, o que mudou? A perspectiva do corpo? Provavelmente não. Pois mesmo se agacharmos e ficarmos na exata altura que tínhamos quando crianças, o lugar continua diferente. E pequeno. O que mudou a medida da sala, dos quartos, dos móveis, das coisas, foi o tempo, culpado por transformar e ampliar as nossas referências mentais dia após dia. Antes, ali era o nosso mundo. Hoje é uma simples casa, grande no coração, pequena no mundo.

Há algum tempo, quando soube que seria pai, decidi comprar um veículo um pouco maior, para poder carregar carrinho, bolsa, brinquedos, babá e toda a bagagem que nasce junto com uma criança. Acostumado a dirigir uma lata de sardinhas, acabei adquirindo um carro médio para os padrões brasileiros, porém um transatlântico para as minhas referências mentais. Meu afilhado, que àquela época tinha pouco mais de cinco anos, e estava se especializando de forma sistemática em espécies gigantes do mundo animal, manteve o tema aquático e fez um diagnóstico bastante pertinente do espaço no banco de trás. “Acho que cabe uma jubarte.”

Apesar de não existir uma medida confiável para o tamanho de um texto – já que poucas palavras muitas vezes se tornam poemas grandiosos e que alguns livros imensos (os bons) são devorados sem que se perceba o passar do tempo – admito que esta crônica, se continuar divagando sobre as inúmeras métricas existentes no mundo exterior e interior, acabará ficando extensa demais, mesmo para o leitor mais persistente. Do jeito que as coisas vão, chegará o ano que vem, mas não terei chegado ao ponto central da discussão. Por isso, sem mais delongas, coloco na mesa o verdadeiro motivo da minha reflexão: qual a medida exata de um ano?

Se fossem apenas os 365 dias, 5 horas, 49 minutos e 12 segundos defendidos pela ciência atual, por que alguns anos parecem rápidos e outros morosos? Se todos os anos duram o mesmo tempo, por que alguns parecem grandes e outros pequenos? Por que alguns anos, mesmo depois de terminados, se estendem para toda a vida? E por que outros passam completamente despercebidos? Porque a medida de um ano não é feita pelos meses, nem pelos dias, nem pelas horas. É feita por espaços na nossa memória. De quantos espaços aquele ano conseguiu preencher.

Este foi o ano em que vi meu filho passar por uma cirurgia mais complicada do que o previsto e que experimentei o que é deixar o meu bem mais valioso nas mãos de outra pessoa. Foi o ano em que, numa internação hospitalar seguinte, o vi sair da sala de cirurgia com um acesso venoso instalado no meio pescoço, sem autorização prévia, e que senti a raiva de ter confiado na pessoa errada: uma lição para a vida. Foi o ano em que conheci cinco países em uma única e inesquecível viagem ao lado da minha mãe. Foi o ano em que mudei para o meu primeiro apartamento próprio, planejado do jeito que minha mulher e eu queríamos, uma realização que me trouxe – traz diariamente – muito mais alegria do que jamais imaginei.

Porém, o acontecimento do ano que provavelmente terá o maior impacto na minha vida chegou de mansinho, quase no fechar do ano, sem alarde, e, aos olhos menos atentos, é difícil de perceber. A verdade é que o Antonio começou a engatinhar. Do jeito dele, é claro. Tecnicamente, diz-se “engatinhar em bloco”. Isto significa que ele fica de quatro, avança com um braço, depois avança com o outro e, em seguida, puxa os dois joelhos para frente ao mesmo tempo, em bloco, como se fosse um sapo. Acontece apenas uma ou duas vezes ao dia, por distâncias muito, muito curtas, e por motivos muito, muito específicos. Nesta semana, o vimos engatinhar algumas vezes apenas para pegar o brinquedo preferido e para alcançar – e tentar lamber – as rodas imundas de um dos seus carrinhos de passeio. Chega a dar uma pena de tirar o carrinho de perto dele após tanto esforço. E fica um medo de desestimulá-lo a continuar tentando se mover. Mas enquanto ele não descobre outro atrativo que valha a pena, vamos deixando o carrinho de isca. Um dia ele morde aquela roda. Secretamente, parte de mim deseja ver isto acontecer.

Os dois últimos anos certamente estarão para sempre entre os maiores da minha vida. Fizeram experiências anteriores parecerem um pouco menores, como as casas em que vivemos na infância. Mudaram drasticamente as minhas referências mentais para o que é importante. Alteraram as minhas medidas para o que é ter sucesso na vida. E ao pensar sobre todas as conquistas realizadas nestes últimos dois anos, como acordar na casa nova, ou ver o Antonio se arrastar de um lado para o outro, meu peito se enche de orgulho e felicidade. Fica imenso de satisfação. Grande mesmo. Se medir por dentro, acho que cabe uma jubarte.

Feliz 2013.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A árvore


Foi o menos tradicional dos presentes de Natal. Não se compra em loja, não se encontra em shopping, não se concorre a prêmios com a nota fiscal. Discreto por natureza, não veio com um grande laçarote, como viria um carro zero quilômetro, um filhote de cachorro, ou outro desses presentes que gostam de causar impacto. Não vale fortuna. Não tem marca. Não cabe em nenhum embrulho. O presente que ganhamos da minha mãe foi uma pequena árvore. Não uma árvore de Natal, uma planta mesmo, para colocar na varanda. Batizamos de “Matinho da Vila”. E desde que chegou, a casa nunca mais foi igual.

Matinho da Vila é um bambu-mossô, espécie de planta da qual eu nunca tinha ouvido falar. Verde, torto, cheio de folhas, pela cara se vê que é japonês, chinês ou qualquer outro “ês” de olho puxado, e que deve ter nascido no meio de um jardim zen com propriedades místicas e transcendentais. Curioso a respeito do novo habitante da minha casa, fui então consultar a enciclopédia dos ansiosos, a internet, e me dei por satisfeito com uma pesquisa pouco acadêmica em três sites de credibilidade não verificada.

O primeiro site apresentava a versão sustentável, porém um tanto estranha, do novo ser que divide a varanda comigo. Feito com restos de um bambu morto, a planta fica no meio do caminho entre natural e artificial, criando um efeito estético bastante similar ao exemplar vivo, porém sem precisar de luz do sol, podas ou regas. Prático, mas mórbido. Para o mundo verde, a fábrica deve parecer um Madame Tussauds do mal. É como fazer uma estátua com os próprios ossos do defunto. E que me desculpem os donos de loja de shopping e de escritórios, mas se não quer regar, não pode ter planta. Ou então tem que comprar um cacto. Por precaução, não mencionei nada a respeito da minha descoberta em locais perto da varanda. Vai que Matinho da Vila resolve parar de fazer a fotossíntese, em protesto. O suicídio de uma árvore daquelas seria uma grande perda, não só para a natureza, mas principalmente para os meus domingos na rede.

O segundo site trouxe informações igualmente preocupantes. Pois saibam vocês que o bambu-mossô, o último dos românticos, que floresce somente uma vez a cada 67 anos e que, depois de florescer, geralmente morre por ter gastado toda a sua energia na reprodução (discípulos de Wando, façam reverência), não é naturalmente torto. Isso mesmo. Em outras palavras, se o seu bambu-mossô tem o caule torto, foi torcido por mãos humanas, em um processo de realizado logo nos seus primeiros anos de vida, para que fique mais bonito. De fato, fica legal, mas tenho certeza que Matinho da Vila não optaria por tão dolorosa cirurgia estética nem mesmo que fosse feita por Ivo Pitangui. Agora o mal está feito. Como disse o É o Tchan, “pau que nasce torto nunca se endireita”. Mas Matinho da Vila nasceu reto, que fique registrado.

O terceiro site, este sim, finalmente atendeu às minhas expectativas. Com um visual absolutamente constrangedor de coisas esotéricas, trazia uma matéria sobre o significado das plantas. E sem as divagações típicas destes textos de pouco conteúdo, dizia que a espécie bambu-mossô é “ótima para aquietar a mente”. E isso eu posso atestar. Não tem uma tarde que o Antonio não capota na rede logo embaixo da árvore. Não tem uma noite que eu não queira simplesmente ficar ali, admirando a vista, vendo o tempo passar. Não tem um dia que não eu pense: não vou fechar esta varanda. Finjo que é pela vista, que quase não há. Finjo que é pelo vento, que entraria de qualquer forma. Mas sei que é para ter um simulacro de quintal no apartamento. Um lugar tranquilo, com uma árvore e uma rede, para não se fazer nada. Só para parar e respirar.

Obrigado, mãe, pelo menos tradicional dos presentes de Natal. Matinho da Vila nos faz muito boa companhia. Escuta em silêncio. Faz barulhos com o vento. Às vezes parece que sorri. Só falta cantar.





Feliz Natal a todos.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Promessa

Na próxima segunda, dia 24 de dezembro, o blog volta a ativa. Presente de Natal para quem ainda acredita: em mim e no Papai Noel.