Medidas não passam de pontos de referência mentais.
Parâmetros comparativos e relativos, que mudam conforme o tempo e o espaço. Quantos
calendários já existiram na história? Quantos valores já definiram o alto e o
baixo, o rápido e o lento, o rico e o pobre? Quantos números de sapato você
calça ao redor do mundo, nos mais diferentes países? E um dos efeitos mais
interessantes da abstração e da relatividade dos sistemas de medição: quantas
vezes retornamos a um lugar em que vivemos na infância e nos impressionamos com
o fato de ele hoje parecer bem menor do que lembrávamos? A realidade é a mesma.
Então, o que mudou? A perspectiva do corpo? Provavelmente não. Pois mesmo se
agacharmos e ficarmos na exata altura que tínhamos quando crianças, o lugar
continua diferente. E pequeno. O que mudou a medida da sala, dos quartos, dos
móveis, das coisas, foi o tempo, culpado por transformar e ampliar as nossas
referências mentais dia após dia. Antes, ali era o nosso mundo. Hoje é uma
simples casa, grande no coração, pequena no mundo.
Há algum tempo, quando soube que seria pai, decidi comprar
um veículo um pouco maior, para poder carregar carrinho, bolsa, brinquedos,
babá e toda a bagagem que nasce junto com uma criança. Acostumado a dirigir uma
lata de sardinhas, acabei adquirindo um carro médio para os padrões
brasileiros, porém um transatlântico para as minhas referências mentais. Meu
afilhado, que àquela época tinha pouco mais de cinco anos, e estava se
especializando de forma sistemática em espécies gigantes do mundo animal, manteve
o tema aquático e fez um diagnóstico bastante pertinente do espaço no banco de
trás. “Acho que cabe uma jubarte.”
Apesar de não existir uma medida confiável para o tamanho de
um texto – já que poucas palavras muitas vezes se tornam poemas grandiosos e que
alguns livros imensos (os bons) são devorados sem que se perceba o passar do
tempo – admito que esta crônica, se continuar divagando sobre as inúmeras métricas
existentes no mundo exterior e interior, acabará ficando extensa demais, mesmo
para o leitor mais persistente. Do jeito que as coisas vão, chegará o ano que
vem, mas não terei chegado ao ponto central da discussão. Por isso, sem mais
delongas, coloco na mesa o verdadeiro motivo da minha reflexão: qual a medida
exata de um ano?
Se fossem apenas os 365 dias, 5 horas, 49 minutos
e 12 segundos defendidos pela ciência atual, por que alguns anos parecem
rápidos e outros morosos? Se todos os anos duram o mesmo tempo, por que alguns
parecem grandes e outros pequenos? Por que alguns anos, mesmo depois de
terminados, se estendem para toda a vida? E por que outros passam completamente
despercebidos? Porque a medida de um ano não é feita pelos meses, nem pelos
dias, nem pelas horas. É feita por espaços na nossa memória. De quantos espaços
aquele ano conseguiu preencher.
Este foi o ano em que vi meu filho passar por uma cirurgia mais
complicada do que o previsto e que experimentei o que é deixar o meu bem mais
valioso nas mãos de outra pessoa. Foi o ano em que, numa internação hospitalar
seguinte, o vi sair da sala de cirurgia com um acesso venoso instalado no meio
pescoço, sem autorização prévia, e que senti a raiva de ter confiado na pessoa
errada: uma lição para a vida. Foi o ano em que conheci cinco países em uma
única e inesquecível viagem ao lado da minha mãe. Foi o ano em que mudei para o
meu primeiro apartamento próprio, planejado do jeito que minha mulher e eu
queríamos, uma realização que me trouxe – traz diariamente – muito mais alegria
do que jamais imaginei.
Porém, o acontecimento do ano que provavelmente terá o maior
impacto na minha vida chegou de mansinho, quase no fechar do ano, sem
alarde, e, aos olhos menos atentos, é difícil de perceber. A verdade é que o
Antonio começou a engatinhar. Do jeito dele, é claro. Tecnicamente, diz-se
“engatinhar em bloco”. Isto significa que ele fica de quatro, avança com um
braço, depois avança com o outro e, em seguida, puxa os dois joelhos para
frente ao mesmo tempo, em bloco, como se fosse um sapo. Acontece apenas uma ou
duas vezes ao dia, por distâncias muito, muito curtas, e por motivos muito,
muito específicos. Nesta semana, o vimos engatinhar algumas vezes apenas para
pegar o brinquedo preferido e para alcançar – e tentar lamber – as rodas
imundas de um dos seus carrinhos de passeio. Chega a dar uma pena de tirar o
carrinho de perto dele após tanto esforço. E fica um medo de desestimulá-lo a
continuar tentando se mover. Mas enquanto ele não descobre outro atrativo que
valha a pena, vamos deixando o carrinho de isca. Um dia ele morde aquela roda.
Secretamente, parte de mim deseja ver isto acontecer.
Os dois últimos anos certamente estarão para sempre entre os
maiores da minha vida. Fizeram experiências anteriores parecerem um pouco
menores, como as casas em que vivemos na infância. Mudaram drasticamente as minhas
referências mentais para o que é importante. Alteraram as minhas medidas para o
que é ter sucesso na vida. E ao pensar sobre todas as conquistas realizadas
nestes últimos dois anos, como acordar na casa nova, ou ver o Antonio se
arrastar de um lado para o outro, meu peito se enche de orgulho e felicidade. Fica
imenso de satisfação. Grande mesmo. Se medir por dentro, acho que cabe uma
jubarte.
Feliz 2013.