segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sem resposta

Neste final de semana fizemos programa de homem, meu filho. Fomos juntos levar o carro à oficina. Eu meio com preguiça, você muito bem disposto. Nunca vi gostar tanto de sair de casa. “Nasceu com formiga na bunda”, costumo dizer.

Calcei um par de tênis em seus pés, apesar de você ainda não utilizá-los. Gosto de vê-lo calçado. Digo que é para colocá-lo no chão quando as minhas costas e os meus braços cansarem. Você de fato está inacreditavelmente pesado e carregá-lo no colo não tem sido fácil, mas sei que os sapatos são na verdade uma maneira de extravasar a minha ansiedade de vê-lo caminhar. É difícil explicar. É como se fosse uma questão de honra. Como um aposentado, que mesmo sem nada para fazer, não perde o hábito de vestir o terno. O sapato é um símbolo que ameniza a minha frustração e traz um pouco de normalidade à nossa vida – na sua idade não se anda mais de meias pela rua. Perdoe esta minha malograda encenação. Aceitar o seu ritmo e não compará-lo a outras crianças tem sido uma verdadeira provação para mim. Falho sempre, mas procuro não deixá-lo perceber.

No caminho para a oficina, revezava meus olhos entre o trânsito e a sua imagem no espelho retrovisor. Como a maioria das crianças, você se acalma no carro. Dá algumas gargalhadas sem motivo. Desconfiamos que seja o passar das árvores, mas não podemos afirmar. Exceto o barulho de alguém tossindo ou imitando bichos, não há um padrão do que é engraçado para você.

Enquanto assistia a imagem da rua borrar, você mantinha os olhos perdidos ao longe, como se estivesse pensativo, como se pensativo fosse algo possível para um bebê. Talvez os olhos se explicassem menos pelo o que ocorria lá fora e mais pelo seu imenso prazer em enfiar dois, três, quatro dedos na boca de uma só vez até engasgar. Olhando de soslaio para o espelho, falei com firmeza: “Antonio, tira a mão da boca.” Você me ignorou.

Sem poder parar e tirar a sua mão por conta própria, decidi falar um pouco mais alto: “Antonio, meu filho, tira a mão da boca.” Novamente, nenhum retorno.

Então optei por algo que não costumo fazer: dei um grito. “Antonio! Tira a mão da boca!” Você não piscou, não olhou para mim, não expressou absolutamente nada. Enfiou um pouco mais a mão na boca, olhos voltados para lugar nenhum. Intrigado, ocupado em dirigir o carro, fiquei na dúvida se você não foi capaz de me ouvir (ainda não sabemos muito sobre a sua audição). Ou pior, se não foi capaz de interpretar um tom de voz que até um cachorro captaria. Sua imobilidade mexeu comigo. O que você entende, meu filho, quando falamos com você?

No dia seguinte, obviamente sem resposta para a minha pergunta, seguimos com a nossa rotina de fins de semana. É um cronograma bastante repetitivo, mas acreditamos que isto o ajude a se manter saudável, a dormir melhor e a entender o que acontece em sua volta. À noite, por exemplo, sempre tomamos banho a uma mesma hora e relaxamos um pouco em frente à tv. Foi neste momento que você começou a chorar sem um motivo visível.

O seu choro, Antonio, é a única forma consistente de comunicação que até agora percebemos em você. Às vezes é manha, às vezes é incômodo, mas majoritariamente é você tentando se fazer entender. No choro deste domingo, entre lágrimas, babas e suspiros, você balbuciou “mama”, assim aleatoriamente, meio sem querer. “Mama” pode ser mamãe, ou pode ser o “mamá”, que todas as noites, naquela exata hora, você costuma tomar. O que será que você disse, meu filho? Pediu a mamadeira? Chamou sua mãe? Ou será que são apenas meus ouvidos, esperançosos, achando forma onde não tem?

Por enquanto, tudo é mistério. Tenho retribuições pelo seu olhar, pelo seu sorriso, pelas suas mãos que me tocam quando aproximo meu rosto do seu. Ao mesmo tempo, sinto que você nunca perceberia se eu desaparecesse. Você vai com estranhos do mesmo jeito que vai com a família. Reconhece, mas não dá certeza. Tudo não passa de suposições que fazemos a seu respeito.

Sei que sentimentos não precisam de signos para existir. Qualquer pessoa sabe o que é amor muito antes de conhecer a palavra que o descreve, muito antes de compreender o que “amor” quer dizer. Perdoe o seu pai, meu filho, por desejar mais do que você pode dar. Perdoe-me por eu deixar nascer dúvidas onde deveriam haver certezas, e por pedir algum tipo de confirmação. Mas a verdade é que o meu coração precisa saber: você sente alguma coisa quando eu digo que amo você?

25 comentários:

  1. ... entendo toda a carga de tuas palavras quanto ao que QUER sentir/ouvir/confirmar. Claro! É em relação ao teu FILHOTE e isso não tem preço. Mas tenho que te falar: nós somos mesmo muito complicados (em qualquer configuração de relacionamento). Simplesmente precisamos ouvir/confirmar mesmo o que já sabemos. É a forma de ter certeza do que já temos... reafirmar o que já é afirmado e confirmado. Mas o SABER, (com letras garrafais) significa, às vezes, "retroceder" e PEDIR esse retorno fático e palpável. Mas no fundo,no fundo ... ja se sabe. Essa, já é a resposta.

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    1. A dependência da materialização. Ver pra crer. Ouvir pra crer. Parece pouco, mas é isso que move a ciência, por exemplo. Comprovar. Afirmar. E depois reafirmar. A alma pode escolher acreditar, optar por aceitar, mas sempre ansiará por algum tipo de garantia, mesmo as impossíveis de se ter.

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    2. Profunda - e verdadeira - reflexão. "Fechou" com o debate. Essa 'linha de pensamento' é bastante racional. É a que julgaria inquestionável não fosse a irracionalidade da escolha "optar por aceitar" - como você bem disse. (E o SENTIR é GRANDE). Há sempre certa crueza na visão racional. Mas entendo perfeitamente a angústia que segue no embate mente X coração.

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  2. Eu tenho certeza que ele te ama. Te ama mais do que ele jamais poderá expressar ou descrever. Não por conta das particularidades do desenvolvimento do Antonio. Mas porque é assim quando a gente verdadeiramente ama alguém: nada é suficiente para explicar esse amor.

    E eu também ia com estranhos do mesmo jeito que ia com a família. Minha mãe queria ter um treco, morria de ciúmes. Parecia descaso, mas era só simpatia. Com o Antonio é a mesma coisa. Garanto.
    ;)

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    1. Tenho certeza também, mesmo sendo algo tão impalpável. E mesmo que não tivesse, acho que amaria de maneira igual.

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  3. Tom Tom é simpático em demasia.. Fofuuuuuuuuura
    Que tal um almocinho no fim de semana para eu ensiná-lo a falar Manu???

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  4. Quem disse que os bebês precisam de sapatos? Essa pergunta nunca saiu da minha cabeça e eu seguia linda c/meus filhotes de meia mundo afora... Sim, acho que sou meio índio, nascida na roça e sapato é algo muito incômodo. Portanto, p/que colocá-los em pés gorduchos que nem andam??? Optei por não fazê-lo, sofri críticas mas ok, eles cresceram e hoje usam sapatos.
    Assim é a vida, assim o amor... Temos dúvidas, questionamos, colocamo-os à prova desnecessariamente. Dúvidas? Muitas, sempre. São o motor p/várias de nossas realizações e conquistas. Certezas? Poucas, dentre elas a de que ele certamente sentiria sua falta se vc sumisse. E vc? Já questionou a falta que o sumiço dele faria em sua vida? Pense nisso e perdoe-se...
    Cristina Serra

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    1. É um bom ponto de vista, Cristina. Pra frente e avante. Com filho (especial ou não), a gente se culpa muito por desejar algo que não podem ou não querem fazer. Mas sou dos teus. A culpa se dissolve rápido. Há coisas mais importantes a fazer.

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  5. Fábio, tenha certeza: o Antonio ama vocês. A M A! Ama você e a Ana quando bate palminhas, quando balança a cabecinha pra frente e pra trás, quando fica vidrado vendo o vídeo da Galinha Pintadinha, quando está no seu colo, quando sacode as perninhas gordinhas como se quisesse levantar voo. Um dia ele talvez possa dizer a palavra, mas enquanto isso, usa todos os sinais a seu alcance para se comunicar. Quanto a mim, tenho certeza de que ele me ama. Ou será excesso de corujice de tia-avó? Beijos, Miriam

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    1. Excesso nada. Corujice é bom. E ele de fato ama ficar contigo e com a mãe nas tardes de domingo. Fica em paz. Dá pra ver.

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  6. É lógico que ele te ama. Quem não gosta de receber carinho, atenção, ter os pais sempre perto, ir passear de carro,com ou sem sapatos,tomar banho junto, ver tv, colocar pra dormir, dar o mamá e muitas outras coisas? Td isso é carinho e muito amor, que com certeza, é retribuído sim. Cd um, devolve o amor e carinho recebidos à sua maneira. Receba o amor do Antônio do jeitinho que ele sabe dar e fique feliz em saber, que se vc sumir, ele vai sentir muito a sua falta sim.Seu filhote é um fofo.
    Beijos

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    1. Receber o amor do jeito que ele sabe dar. Obrigado pela síntese, Sonia. Vou lembrar disso.

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  7. FÁBIO,

    O ANTONIO SOBREVIVE E VIVE GRAÇAS AO AMOR E À DEDICAÇÃO TUA E DA ANA. DESDE O NASCIMENTO DELE É PELA LUTA, PELA SEGURANÇA E PELO AFETO DOS PAIS É QUE ELE CONSEGUE ENFRENTAR ESTE MUNDO NEM SEMPRE FÁCIL E SORRIDENTE. O DIFERENCIAL É QUE VOCÊS FAZEM A VIDA DELE SER SORRIDENTE EM QUALQUER HIPÓTESE. TENHA CERTEZA QUE ELE SABERÁ RETRIBUIR, NA MEDIDA DAS FORÇAS E DO ENTENDIMENTO DELE. ELE JÁ RETRIBUI. NUNCA VI OLHAR MAIS DOCE !

    BEIJOS.

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  8. Eu tenho certeza que ele ama vcs,e sabe o quanto se preocupam com ele,vai chegar uma hora,que ele vai responder a tua pergunta...bjs

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    1. Acho que já responde, Aldrey. É a minha cabeça que precisa ter mais abertura para ver. E se bastar com isso.

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  9. Fabio,

    impossível não dar vexame lendo teu texto...e como eu te entendo!!!

    Vivemos situações absurdamente diferentes, mas ao mesmo tempo elas produzem sensações tão semelhantes!

    A única certeza que eu posso ousar te dar é: sim, ele te entende!

    Abs

    Edrisse

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  10. Fábio, acho que o problema é que fazemos perguntas demais, queremos muitas respostas e esperamos muito das pessoas!!!

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  11. A gente é assim mesmo: quer confirmar e ter certeza do que sequer precisa ser dito. E isso não faz de você pior, ou sem compreensão. Isso faz de você humano. A gente, de fora, diz que tem certeza de que o Antonio te ama - e tem mesmo. E eu acho que, no fundo, você também tem. E acho que a confirmação, nesse caso, tem muito mais a ver com um monte de outras coisas que não a confirmação em si. Mas ela vem, Fabio, de um jeito ou de outro. Mesmo que não haja palavras – ainda – crianças não mentem nos seus gestos. O Antonio te ama demais. E nós todos sabemos disso.

    Um beijo.

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