Estava eu
há vinte e tantos dias perambulando pelo Velho Continente com a minha madre amada, pernas latejando de tanto
andar, braços tremendo de tanto carregar malas, e olhos com tiques nervosos de
tanto ler mapas, quando percebi – percebemos – que vida de turista não é fácil.
Primeiro,
tem que botar despertador para pegar o café da manhã do hotel. Um desespero só.
Eu já dormia tenso, com receio de perder o meu café preto com ovos mexidos, devidamente
complementados com porções generosas de waffles,
panquecas, croissants, frutas do bosque ou qualquer outra dessas indulgências que
a gente raramente tem em casa.
Não
bastasse a culpa de desjejuar feito um viking retornando da guerra, a cada
manhã ainda era preciso um minucioso planejamento alimentar, o que incluía a estressante
preparação de sanduíches clandestinos para mais tarde, os quais eram cuidadosamente
escondidos na bolsa da minha mãe, como se tivéssemos cometendo um crime, além
da difícil tarefa de escolher (de barriga cheia) os restaurantes para o almoço
e para o jantar – um trabalho que não se limitava a apenas conferir as
recomendações dos guias, mas também requeria uma profunda análise da relação
custo-benefício de cada opção, considerando a comida a ser servida, o preço dos
pratos, a possibilidade de conseguirmos uma reserva e a distância do
estabelecimento em relação a onde estaríamos por volta das 13h e das 20h.
As
obrigações da nossa sobrecarregada vida de turista ainda compreendiam: prever
se teríamos roupas limpas em quantidade suficiente para os próximos dias e,
eventualmente, montar um constrangedor varal de roupas íntimas molhadas no box
do banheiro; decifrar placas e mapas com palavras compostas por 25 consoantes e
3 vogais, em média, podendo variar para mais consoantes e menos vogais; resistir
bravamente a comprar qualquer objeto maior que um chaveiro, sob o risco de
sermos impedidos de embarcar por causa do peso das malas (auferido regularmente
com uma balança portátil que tínhamos em nossa bagagem); e, principalmente, todas
as noites fazer reza braba, macumba e rituais variados para que o sol aparecesse
no dia seguinte, já que a previsão insistia em anunciar uma tragédia natural,
variando entre “encoberto com pancadas de chuva”, “chuva forte com trovoadas” e
“tomara que você saiba nadar”.
Na manhã de
um destes dias aflitos, em que havíamos planejado um monte de passeios ao ar
livre, porém receávamos ter que fazê-los em botes salva-vidas, minha mãe pula
da cama do hotel, abre a cortina e solta um grito animado:
–
Ah,
meu filho, tá um nublado ótimo!
Ainda com
os olhos grudados pelo sono e pela luminosidade que invadia o quarto, tive que
cair na gargalhada. Nublado ótimo? Que tipo de frase é esta? É como a sua
mulher perguntar se está gorda e você responder: “Está sim. Uma gordinha ótima.”
É como provar o bacalhau que alguém fez pela primeira vez e elogiar, enquanto
engasga e pede a jarra de água: “Hum... tá um salgado ótimo.” É como chegar na
fazenda da família e, dominado pelas memórias alegres do lugar, romantizar até
o cheiro de esterco que vem junto com a brisa: “Ah... que catinga ótima.”
Vida de
turista não é fácil, mas é muito boa, especialmente quando a sua companhia
acorda de bom humor. “Nublado ótimo” virou piada de família, junto com outras diversas
pérolas que minha mãe lançou nos inesquecíveis dias que passamos juntos. Rimos
muito. Dividimos quartos de hotéis, sobremesas e muitas garrafas de vinho. Tivemos
a rara oportunidade de redescobrir um ao outro, após mais de uma década morando
em casas separadas, com direito a cidades distantes por vários anos. Havia
qualidades que tínhamos esquecido. Havia gestos que estavam adormecidos. E para
nossa surpresa, havia uma mãe e um filho que nem tínhamos conhecido.
Em favor da
minha companheira de viagem, tenho que admitir que naquele dia não caiu um
pingo d’água. E que fazer os passeios com um clima ameno, com o céu
parcialmente encoberto, foi realmente muito agradável.
*
Neste dia
dos pais, lembrei da expressão da minha mãe.
Meu dia foi
calmo, caseiro e tomado pelo calor e afeto dos familiares. O Antonio me deu um
relógio, presente que nunca deixará de me agradar, e uma foto de nós dois, com
carimbos aleatórios de elefantes, zebras, leões e uma girafa. No fim do dia,
deu trabalho para dormir. Mas enquanto ele lutava para ficar acordado, a sua cabeça
se aninhava no meu ombro e uma das suas mãos fazia carinho na minha barba.
Dei um
abraço apertado e pensei, com um sorriso por dentro: minha vida de pai pode não
ser tranquila como um dia de sol, mas está fazendo um nublado ótimo. E bota ótimo
nisso.
Adorei o texto bem humorado de hj, dei risada sozinha e me diverti com sua mãe. Seu dia dos Pais, foi maravilhoso,com seu pequeno filhote ao seu lado, nada como carinho e companhia de um serzinho tão importante na vida da gente, né?
ResponderExcluirParabéns atrasado pelo seu dia, mas com muito carinho, de quem aprendeu a gostar de vc,da sua família e dos seus textos.
Um grande beijo pra vc tb Sonia. Também aprendi a gostar muito de todos vocês que sempre aparecem por aqui.
Excluir... a cada texto há uma expectativa de superação. E eu digo: às minhas, você atende a todas!!! Seus escritos são 'UM DIA DE SOL SEMPRE ABERTOS'. O dia em que vier uma nuvem, será meio que "Um nublado ótimo!". Dá vontade até de "roubar" a expressão de tua mãe... há contextos perfeitos para usá-la!! Show Fabinho! Gostei demais desse texto!!
ResponderExcluirRoube à vontade, Claudine. Eu já inseri no meu vocabulário. rs. bj
ExcluirCara, você escreve muito bem! Abração
ResponderExcluirObrigado, Laura. Abraço
ExcluirAdorei!!
ResponderExcluirMuitas vezes ficamos esperando condições perfeitas e especiais, perdendo a oportunidade de usufruir plenamente um nublado ótimo!!
Abs!
André
Ainda mais pra quem não tem muito cabelo como eu, André. Nublados podem ser mais que ótimos. Podem ser fundamentais. Abraço
ExcluirMuito bom, Fabinho! Adorei, como sempre! Bjo
ResponderExcluirQue bom, Ana. Grande bj
ExcluirFábio,
ResponderExcluirAdorei ! Ri e chorei, chorei e ri. Reli. Ri. E pensei com saudade dos dias maravilhosos da nossa convivência de férias. Para mim foi o melhor da viagem. Estarmos juntos e fazermos disso uma explosão de alegrias. Meu coração se enternece toda a vez que penso nisso.
Beijos
Mãe
Também carrego nossa viagem no corazón, mãe. Que investimento emocional bem feito. bj
Excluirahahahaha!!!!! <3
ResponderExcluirNossa, Fabinho.... Você tá um Paulo Coelho ótimo... ahahahaha!!!!
Alô fãs do Paulo Coelho: Estou zoando meu amigo Fábio. A frase acima tem alto teor de ironia e não condiz com a verdade.
Paulo Coelho sucks. Sem mais.
E eu tô uma crítica literária ótima!
Nossa, Manu, inaugurastes a coluna Zoada da Manu com chave de ouro! Que ofensa ótima!
ExcluirAi, QUE legal!!
ResponderExcluirEu estava terminando de ver um filme mamão com açucar otimo, quando escutei as gargalhadas altissimas da minha mãe lendo seu texto. Valeu a pena ligar o computador para ler antes de dormir tambem. Ja vi que vou ter uma noite de sono otima!! kakakakaka
Minha mãe e engraçada demais mesmo, ainda agora ela estava aqui me contando que o Pato Purific (produto de limpeza) subiu muito de preço!!! kakakakakakakaka Diversão total!!
Beijos, Beta.
Ah, voce e um pai tipico de dia de verão ensolarado e 40 graus no Rio de Janeiro.
Realmente a alta do Pato Purific é um assunto urgente! rs. Só ela mesmo. bj
Excluirlindo texto! Tem gente que vive sonhando ser feliz num dia de sol, mas não vê a beleza de um "nublado ótimo"
ResponderExcluirAcho que todos nós vivemos sonhando com o dia de sol. Eu tb. Mas um pouco de conformação na vida (só um pouco) não faz mal a ninguém.
ExcluirElogiar seus textos é chover no molhado, mas nesse quem brilhou foi sua mãe. C/ certeza a expressão vai pegar!!! Bjs
ResponderExcluirJá pegou. rs. bj
ExcluirFabio, adorei...lendo e lembrando a Comadre, ela é ótima e vcê maravilhoso escritor,parecia estar vendo Ela falar!!!Bjos
ResponderExcluirEla é personagem pronto. rs. Fácil de reproduzir por aqui. rs. bj
ExcluirUFA, que bom que vc decidiu escrever...
ResponderExcluirPrecisava mesmo ser relembrada que os "nublados" podem ser ÓTIMOS, desde que o queiramos.
Parabéns pela escrita e pela mãe espirituosa.
Cristina Serra
Cristina, todos nós precisamos ser relembrados de vez em quando. Boa semana.
ExcluirFabio querido: Que texto ótimo! Risos ... Eu que já conhecia a expressão cunhada pela Neiva, adorei a sua talentosa versão. Ri muito e também me emocionei. Às vezes, a nossa vida está assim, um nubladinho ótimo, bom para se aproveitar, mas nossa cegueira não nos deixa, queremos o sol, esquecendo que ele é abrasador e faz estragos em branquelas como eu. A Neiva tem razão: Nada melhor do que um nubladinho ótimo para curtir uma viagem linda como a de vocês. Londres tem um nublado ótimo, e eu tenho um afilhado ótimo, com um talento mais do que ótimo! Ainda bem que o blog tem comentaristas ótimos (Hello Manuela do Prado e muitos outros habituais). Que leitura ótima! Beijos,
ResponderExcluirMiriam
Mimi, para quem voltou de Londres, você certamente está expert em nublados ótimos. Tem dias que fico só lembrando dos nossos almoços em Bricklane, no Capadoccia, etc. Sempre chuviscando. E sempre ótimos.Bj
ExcluirUhuuuuuuuuuuuu!!!!! Tô bombando no blog...
ExcluirTô uma colunista ótima...
"Tá um nublado ótimo" é uma ótima frase e não me estranhe que tenha ficado marcada. Assim como "eu sou irritantemente encantador" de um certo colega de apartamento que um dia viveu comigo ou eu vivi com ele! :) Uma das que jamais esquecerei! Grande Abs
ResponderExcluirVamos ter que começar a anotar tantas frases de efeito. rs Abraço
ExcluirE porque um nublado não pode ser ótimo nãp é mesmo Mãe Do Fábio?! O segredo está aqui dentro da gente... e olhe, esse é um enorme diferencial que deixa a vida muito mais ensolarada mesmo nublada!
ResponderExcluirCertamente, Regina. O segredo está dentro. bj
ExcluirLindo seu texto Fábio, parabéns pelas palavras muito bem postas em cada frase e em cada emoção vivida. Estava um tempo sem ler seus textos... ADOREI! Em cada novo dia podemos escolher se queremos um dia ensolarado, chuvoso ou então um "nublado ótimo"... Forte abraço, Rejane
ResponderExcluirQue bom que voltou, Rejane. bj
ExcluirOlha eu atrasada aqui de novo.. Mas fico muito feliz que seu nublado ótimo foi realmente ótimo...
ResponderExcluirGostaria de poder dizer o mesmo do meu dia dos pais.. "Foi um nublado ótimo". Mas não foi. E eu me sinto péssima por isso. Mas aqui não é lugar pra eu chorar as mágoas, né? Aqui é lugar pra eu dizer que seu texto mais uma vez me fez renovar a minha promessa em buscar ser uma pessoa sempre melhor e fazer cada vez mais 'nublados ótimos'.
Abraços Fábio.
Atrasada, mas sempre chega. Isso é o que importa. bj
ExcluirAdorei. Lembrei-me do "se melhorar estraga". Lindo texto. Bjos. Monica Leite
ResponderExcluirObrigado, Monica. Bj
Excluir