Enquanto o Brasil se deslumbra com o fato de ter achado
petróleo embaixo do fim do mundo e, como uma criança que encontra um tesouro
enterrado no jardim, berra para quem quiser ouvir que agora está rico, e
enquanto a China avança concretamente em direção ao domínio da Terra, distribuindo
suas traquitanas a preço de banana pelo planeta inteiro, com uma rede de ambulantes
clandestinos mais eficiente do que todos os revendedores da Herbalife, Avon e
Natura juntos, e enquanto os Estados Unidos e a Europa não conseguem decidir se
vão quebrar de vez ou sair do buraco, eu ocupo parte do meu tempo fazendo as
contas de uma economia mais particular: os lucros das nossas atitudes.
Por mais que de vez em quando o nosso lado politicamente
correto tente negar, a natureza humana não é altruísta. Se não tivermos nada a
ganhar, é quase impossível desacomodarmos os nossos glúteos do sofá. É claro
que fazemos algumas boas ações aqui e ali, mas é importante lembrar que o bom
mocismo também rende muitos dividendos. Vestir a camiseta “Eu salvo baleias” –
e conquistar o coração da vizinha, a admiração da sogra ou a simpatia de
qualquer pessoa por isto – é um dos métodos mais tradicionais de inflar seu
crédito na praça.
Construímos nossa personalidade e nossas convicções com base
em relações de troca. É preciso um ganho psicológico para cada uma de nossas
emoções. Só sentimos medo da morte, por exemplo, quando podemos lucrar a própria
sobrevivência. Se não houver ameaça, ou se a morte estiver garantida, em algum
momento o temor se dissipa, pois perde o seu lucro. E sem lucro, perde a sua
razão.
Talvez esteja aí a explicação de sempre tentarmos passar uma
imagem polida por fora, mas por dentro continuarmos nutrindo uma gama bastante condenável de
emoções. Assim como o medo, há outros sentimentos pouco nobres que fazemos
questão de não jogar fora, pois de certa forma nos trazem algum rendimento.
Paradoxalmente, do desprezo por alguém podemos conquistar sua admiração. Do
ciúme que sentimos de uma pessoa podemos lucrar sua atenção. Da inveja, que
nasce contra a nossa própria vontade, mas sempre nasce, podemos tirar
motivação.
Porém nenhuma teoria é infalível. E há alguns sentimentos abomináveis que mantemos vivos dentro de nós, mesmo sem ganhar nada em troca. O pior deles, sem
sombra de dúvida, é o preconceito. Qual o lucro de rejeitar antecipadamente o
que não conhecemos?
Não sou suficientemente ingênuo para acreditar em uma sociedade – ou mesmo em um único ser humano – sem preconceitos. Entendo que a cultura e a história de cada um torne alguns conceitos mais difíceis de digerir. Honestamente, não vejo problema em adotar convicções e ser contrário a outras. Admiro quem expressa uma opinião pouco popular, porém tem consciência do porquê das suas ideias.
Preconceitos herdados há gerações, entretanto, não conseguem ser salvos nem pela
mais brilhante argumentação. Cada um tem os seus; isto é certo. Minha questão é:
por que os mantemos? Onde está o ganho desta emoção?
Se existe alguma vantagem em ter um filho com deficiência é
me forçar diariamente a enfrentar o desconhecido. Desde que o Antonio
nasceu, fui jogado em um mundo até então quase inexistente para mim, habitado por
pessoas com as mais diversas deficiências, onde há escolas de ensino especial, empresas especializadas em criar equipamentos para necessidades específicas, médicos com especializações que nunca
imaginei existir, pesquisas que nunca achei que fossem me interessar. Ampliei
meus horizontes em relação a deficiências físicas em geral. E tenho aprendido
o real significado da tecnologia, da fisioterapia, dos esportes, da alimentação
e, principalmente, do amor, ao criar uma criança com deficiência intelectual. Saí
da bolha pequena da vida perfeita e passei a habitar um planeta maior, com mais
espaço e mais possibilidades. Sofri com a mudança, mas exibo com orgulho a minha cicatriz. É ela quem me ajuda a crescer e a evoluir.
Cadeirante faz sexo. Cego trabalha. Gay pode casar.
Mulheres com HIV podem ter filhos.
Pessoas com Síndrome de Down passam no vestibular.
A vida me deu um tombo quando me trouxe um filho especial.
Mas também tive um lucro imensurável. Deixei um monte de conceitos velhos para
trás.
A vida nos da tropeços a qualquer momento. Mas estarmos abertos a enfrentá-los, criarmos forças para não nos vitimarmos, é o caminho de novas descobertas.
ResponderExcluirVocês receberam um grande obstáculo e enfrentarão muitos outros, mas demonstram, com uma admirável proesa, a determinação de fazer de um limão uma refrescante limonada.
Parabéns por ampliar este crescimento além da criação de seu próprio filho, reinventando seus conceitos, dividindo com um número incalculável de leitores e sobretudo exercitando o crescimento pessoal. abraços, Fernanda Morato
Obrigado Fernanda, um beijão. Que bom que tem voltado aqui para ler.
ResponderExcluirMagnífico texto!!! Tudo já foi dito nele, só vou acrescentar uma coisa, a pior pobreza que um ser humano pode ter, é a pobreza de espírito. Bjs
ResponderExcluirCertamente Cléo. E pior que tem muito probre de espírito por aí. O texto foi inteiramente inspirado por frases que ouvi por aí na última semana. bj pra vc
ResponderExcluirEstava com saudades, que bom que vc voltou : )
ResponderExcluirNão posso mentir que seus textos me trazem muitos rendimentos!
Graças a eles, tenho também curado a minha dor de ter um sobrinho especial. Tenho refletido e me questionado sobre um trilhão de coisas antes inimagináveis na minha pequena cabeça. Em relação ao preconceito, tenho percebido que a intensidade desse sentimento em nossas vidas é inversamente proporcional ao nível de satisfação, felicidade e bem estar que ela pode nos oferecer. Pessoas preconceituosas são limitadas, pois não se permitem enxergar o mundo, não são carismáticas, pois se “acham donas da verdade”, e devem ser infelizes, pois vivem metade do que a vida pode oferecer e isso para mim é o maior dos desperdícios!
Enfim, graças aos seus textos, minha ferida sangra, mas também se fortalece. Tenho orgulho de ser sua irmã.
Hermanita, não podes escrever tão belo comentário sem aviso prévio. Tive que disfarçar as lágrimas no meio do trabalho. "Vivem metade do que a vida pode viver" é a melhor descrição de quem se fecha para algumas pessoas por preconceito. É bom fazer parte de uma família que repudia este desperdício. Também tenho muito orgulho de você. um bj
ResponderExcluirErrata: "... do que a vida pode OFERECER..."
ResponderExcluirPois eh, Fabio, mais um texto maravilhoso que se completou com o comentario magnifico, pela sinceridade, da Fernanda.
ResponderExcluirA gente veio ao mundo para crescer e tu sabiamente alem de crescer divides a riqueza que vais adquirindo conosco.
Quanta verdade quando dizes que a natureza humana nao eh altruista. Como eh dificil se-lo sem apregoar, sem tirar vantagem, sem solicitar ou exigir a troca, o retorno. E o preconceito eh doenca, eh um cancer que roi, mina as forcas emocionais das pessoas. E o sentimento de pena ? Quantos de nos, em algum momento, somos solidarios na pena. Pobre coitado - tem um filho anormal. Pobre coitado - terah que carregar este peso para o resto da vida. Pobre coitado - nao terah tempo para mais nada.
Aqui em Londres, encontro diariamente com a maior diversidade de gente: vejo muito, muito adulto com s'indrome de dow andando sozinho nas ruas, no metro, nos onibus, vejo gente mancando, vejo jovens andando com dificuldade de muletas, vejo pessoas abobadinhas, vejo gente velha se apoiando em carregadores nos supermercados, vejo velhos curvados fazendo suas compras. Hoje pediram-me no metro ajuda para manter criancas autistas.
Vejo, assim, que a vida nao eh certinha. Hoje tenho saude, mas quem me assegura que amanha a terei ? Hoje estou em Londres, mas quem me assegura que esta vida boa vai durar ? Vejo, tambem, aqui de longe, que precisamos de muito pouco do que temos "por fora" para nos impormos como pessoas. Vejo a importancia de ter a cabeca bem formada, cultural e moralmente. Somos o que pensamos. Somente nos destacamos se tivermos pensamentos e acoes elaborados e direcionados. Para o bem. Para o conhecimento.
Vejo ainda que existem por aqui muitas pessoas parecidas com o Antonio. Sobrevivendo. Sorrindo. Vivendo. Com o muito ou com o pouco que a vida deu a eles. A vida eh . Ela nao eh como queremos. Cabe a nosh vencermos as barreiras do preconceito e abrir novas frentes, que muitas vezes causam inveja ao mais perfeito dos mortais.
Beijos.
Mae
Madre, "A vida é. Não é como a gente quer." vai ficar reverberando na minha cabeça, porque concordo plenamente com esta frase. Não vejo a hora de nos encontrarmos por aí e entornarmos uns bons vinhos. Tom Tom está um safado, pulando para frente em posição de sapo. bjão
ResponderExcluirComo já disse outras vezes, gosto muito dos seus textos e esse foi mais um deles. A gente cresce a cd momento e assim aprendemos a lidar com cd uma das coisas que acontecem pelo mundo, até com as dificuldades que acabam dando força de irmos em frente.
ResponderExcluirSonia, como eu também já disse, gosto muito das tuas participações, da Cléo, que dividem suas opiniões de forma espontânea, e enriquecem este blog. Um bj
ResponderExcluirPrimo, excelente texto como sempre e ainda com uma pitada de saudade ! 'Estive' aqui nas duas últimas segundas-feiras e estava ansiosa aguardando o próximo post ! Os comentários da Nanda e da Dinda acabaram com as minhas palavras e me deixaram tão morrendo de saudades de todos vocês que acabo de comprar passagens e em abril desembarco na capital do nosso país para matá-la !! Começo hoje a contagem regressiva para ver o sapinho Tomtom ... beijos, Rafa.
ResponderExcluirOLha, depois dessas palavras tão lindas, eu fico sem palavras! *_*
ResponderExcluirMas concordo com você que o desconhecido nos move em alguma direção.. E a deficiência de alguém que amamos nos confronta com nós mesmos da maneira que nada mais pode... Nos coloca a prova da nossa real capacidade de sermos menos "egoístas"..
Brilhante texto.. E manda um beijo carinhoso pro Antonio..
Rafa, que alegria a notícia da sua visita. Ficamos apenas preocupados com datas, pois estamos com uma viagem programada para abril! Te mandei um email. Tomara que não esteja coincidindo. Bj
ResponderExcluirObrigado Polly. Um confronto com nós mesmos. Gosto desta análise. Faz todo sentido. Todos os dias. Um beijo.
ResponderExcluirFábio, vc encarou e tem aprendido muito com seu filho Antonio e atravéz de seus textos também temos tirado lições. Infelizmente não é todo pai que aje dessa forma, o meu, por exemplo, preferiu a omissão. Minha mãe, até hoje, segurou e segura muitas "barras" dos filhos e dos netos.
ResponderExcluirMais uma vez: Parabéns!!!
Fabinho,
ResponderExcluirVenho, por meio deste, expressar o meu mais profundo descontentamento com tamanho hiato de postagens.
Favor não repetir tal lapso.
Att,
Manu
Caparroz, mães são mesmo o porto seguro das famílias. Mas, aos poucos, nós pais estamos aprendendo a fazer o nosso papel. Tenho um pai muito presente e sou muito grato a isso. Por isso, tento fazer a minha parte. Um grande abraço
ResponderExcluirManu, procurarei me manter firme todas as segundas. Realmente, foi por motivo de força maior. Precisava resolver uns assuntos. Tudo resolvido. Voltei para ficar. bj
ResponderExcluirBravíssimo! Que quase todos que leem seus textos se identificam não é novidade para mim, afinal você Fabio é capaz de expressar sentimentos universais (o que é uma proeza, tamanha a diferença das pessoas). Mas o que me impressiona e o que me faz identificar cada vez mais com você é o viés Socrático (que como sabes, é minha filosofia de vida) dos teus pensamentos. Agnóstico, guiado pela máxima do "só sei que nada sei", não há como não brindar este manifesto contra o preconceito, esta atitude justamente que nos aprisiona e não nos leva ao conhecimento. Quanto à inexistência do real altruísmo, é uma outra discussão filosófica à qual sempre me atento. Lembro dos debates com o professor Francisco Camargo da ESPM a respeito do Amor, se ele é passível de existir apenas em mão única. Olha que contradição: o verdadeiro Amor não pede algo em troca, mas ao mesmo tempo pode ser considerado um amor dependente, submisso. Eu aindo prefiro acreditar em relações de troca. Mas trocas válidas e não hipócritas como o altruísmo em troca do "ficar bem na fita". Quanto à morte, além das várias mortes de fases de nossas vidas, ainda acho que são elas que dão beleza à vida. Ab, velhinho! Da Vila
ResponderExcluirDa Vila, só sei que não é nada fácil escrever para leitores pensadores como você. rs. Obrigado por esta valiosa troca, meu amigo. E em tempo, também só acredito nas trocas válidas e que, por isso mesmo, deixam a gente "bem na fita". Abomino, como você as trocas hipócritas, só para passar uma boa imagem. Por isso não gosto de campanhas de mineradora sobre sustentabilidade e coisas do gênero. Tem pessoa física que faz mais do que uma empresa inteira, e não fica fazendo campanha sobre isso.
ResponderExcluirExcelente, Fábio!
ResponderExcluirSaber crescer sempre é um exercício diário, mas livrar-se dos preconceitos é bem mais difícil... apesar dos dois fazerem parte do processo de evolução do ser humano.
Ser mãe/pai nos dá a chance de sermos melhores e maiores, exatamente do tamanho que os filhos merecem.
Bjs nos 3!
Mel.
Fabinho, o melhor de tudo é que você ao ampliar seus horizontes compartilha com a gente e nos permite aprender mais a cada segunda-feira. Você cresce e leva a gente pro mesmo caminho! Bjo!
ResponderExcluirMel, não sei se fiquei melhor, mas me sinto impulsionado a tentar fazer mais coisas acontecerem, internamente e externamente. Filhos trazem ímpeto para a gente, não é? Um bj
ResponderExcluirMaíra, tenho muita sorte de não caminhar sozinho. Falei estes dias para um grupo de amigos: abrir um pouco da minha vida aqui foi a melhor coisa que fiz. As pessoas em minha volta, ao conhecerem mais de perto minha família, criaram uma rede de afeto e proteção em nossa volta. Volta e meia alguém me traz alguma informação importante. Volta e meia, por meio do blog, conheço alguém capaz de nos ajudar muito. As amizades em nossa volta tornam o caminho muito melhor (e mais engrandecedor) de trilhar. Obrigado por ler, comentar e principalmente, se importar. bjao
ResponderExcluirNinguém é preparado pra ter um filho com deficiência, mas todo mundo pode aprender a refletir diante de tal situação. É maravilhosa a oportunidade de lucrar salvando baleias que o pequeno Antonio está te dando, Fábio... e vc a ele.
ResponderExcluirMesmo daqui do outro lado do computador, sou uma espectadora orgulhosa de ti.
Beijo aos 3.
Ká, ele tem me dado muito mais do que o presente da paternidade. É difícil, mas tenho plena consciência de que estou lucrando mais do que poderia imaginar. bj
ResponderExcluirEu me vejo cheio de preconceitos e de pensamentos totalmente censuráveis! Não me orgulho deles! Mas me ajudam a ver como sou imperfeito e ao mesmo tempo me ajudam a praticar a autocrítica e realizar de que o mundo não gira em torno da minha pessoa. Os sentimentos estão aqui, não são externalizados (existe esta palavra?), mas me levam a tentar ser melhor.
ResponderExcluirLindo texto, parabéns!!!!
(depois do terceiro comentário seguido é que percebi como seus textos refletem em mim e começo o comentário aplicando o que eu li aqui na minha vida, para depois chegar a uma conclusão. Pode cobrar pela terapia que você tá me submetendo Rs)