terça-feira, 27 de março de 2012

Lucre salvando baleias




Enquanto o Brasil se deslumbra com o fato de ter achado petróleo embaixo do fim do mundo e, como uma criança que encontra um tesouro enterrado no jardim, berra para quem quiser ouvir que agora está rico, e enquanto a China avança concretamente em direção ao domínio da Terra, distribuindo suas traquitanas a preço de banana pelo planeta inteiro, com uma rede de ambulantes clandestinos mais eficiente do que todos os revendedores da Herbalife, Avon e Natura juntos, e enquanto os Estados Unidos e a Europa não conseguem decidir se vão quebrar de vez ou sair do buraco, eu ocupo parte do meu tempo fazendo as contas de uma economia mais particular: os lucros das nossas atitudes.

Por mais que de vez em quando o nosso lado politicamente correto tente negar, a natureza humana não é altruísta. Se não tivermos nada a ganhar, é quase impossível desacomodarmos os nossos glúteos do sofá. É claro que fazemos algumas boas ações aqui e ali, mas é importante lembrar que o bom mocismo também rende muitos dividendos. Vestir a camiseta “Eu salvo baleias” – e conquistar o coração da vizinha, a admiração da sogra ou a simpatia de qualquer pessoa por isto – é um dos métodos mais tradicionais de inflar seu crédito na praça.

Construímos nossa personalidade e nossas convicções com base em relações de troca. É preciso um ganho psicológico para cada uma de nossas emoções. Só sentimos medo da morte, por exemplo, quando podemos lucrar a própria sobrevivência. Se não houver ameaça, ou se a morte estiver garantida, em algum momento o temor se dissipa, pois perde o seu lucro. E sem lucro, perde a sua razão.

Talvez esteja aí a explicação de sempre tentarmos passar uma imagem polida por fora, mas por dentro continuarmos nutrindo uma gama bastante condenável de emoções. Assim como o medo, há outros sentimentos pouco nobres que fazemos questão de não jogar fora, pois de certa forma nos trazem algum rendimento. Paradoxalmente, do desprezo por alguém podemos conquistar sua admiração. Do ciúme que sentimos de uma pessoa podemos lucrar sua atenção. Da inveja, que nasce contra a nossa própria vontade, mas sempre nasce, podemos tirar motivação.

Porém nenhuma teoria é infalível. E há alguns sentimentos abomináveis que mantemos vivos dentro de nós, mesmo sem ganhar nada em troca. O pior deles, sem sombra de dúvida, é o preconceito. Qual o lucro de rejeitar antecipadamente o que não conhecemos?

Não sou suficientemente ingênuo para acreditar em uma sociedade – ou mesmo em um único ser humano – sem preconceitos. Entendo que a cultura e a história de cada um torne alguns conceitos mais difíceis de digerir. Honestamente, não vejo problema em adotar convicções e ser contrário a outras. Admiro quem expressa uma opinião pouco popular, porém tem consciência do porquê das suas ideias.

Preconceitos herdados há gerações, entretanto, não conseguem ser salvos nem pela mais brilhante argumentação. Cada um tem os seus; isto é certo. Minha questão é: por que os mantemos? Onde está o ganho desta emoção?

Se existe alguma vantagem em ter um filho com deficiência é me forçar diariamente a enfrentar o desconhecido. Desde que o Antonio nasceu, fui jogado em um mundo até então quase inexistente para mim, habitado por pessoas com as mais diversas deficiências, onde há escolas de ensino especial, empresas especializadas em criar equipamentos para necessidades específicas, médicos com especializações que nunca imaginei existir, pesquisas que nunca achei que fossem me interessar. Ampliei meus horizontes em relação a deficiências físicas em geral. E tenho aprendido o real significado da tecnologia, da fisioterapia, dos esportes, da alimentação e, principalmente, do amor, ao criar uma criança com deficiência intelectual. Saí da bolha pequena da vida perfeita e passei a habitar um planeta maior, com mais espaço e mais possibilidades. Sofri com a mudança, mas exibo com orgulho a minha cicatriz. É ela quem me ajuda a crescer e a evoluir.

Cadeirante faz sexo. Cego trabalha. Gay pode casar.
Mulheres com HIV podem ter filhos.
Pessoas com Síndrome de Down passam no vestibular.

A vida me deu um tombo quando me trouxe um filho especial. Mas também tive um lucro imensurável. Deixei um monte de conceitos velhos para trás.


domingo, 11 de março de 2012

Pausa

Amigos, vou resolver uns assuntos ali e volto a postar normalmente na segunda dia 26 de março. O Antonio está ótimo. Ana e eu também. Um abraço a todos e até daqui a 15 dias.

PS (adicionado em 20 de março):
Para amenizar a falta do blog, tem texto inédito do Flizam em um site parceiro, o Baby Blog Br. Não deixe de passar lá e comentar. Para ler agora, clique aqui: Relato de um pai

segunda-feira, 5 de março de 2012

Darth Vader de minissaia


Há muitos anos vi uma entrevista com uma atleta de fisioculturismo. Era um Arnold Schwarzenegger com maquiagem e unhas pintadas. E contou que se ficasse quinze dias sem malhar já começava a sentir o corpo flácido.

Para chegar àquela forma, imagino que a mulher deva ter sofrido nas academias por no mínimo uma década, no mínimo três horas ao dia, no mínimo cinco vezes por semana. Suponho também que deva ter se submetido a uma dieta variada de creatina, glutamina, caseína e, quando dá aquela vontade de comer um doce, dá-lhe shake de proteína.

Esta mulher perdeu o pescoço, perdeu o ciclo menstrual, perdeu as curvas femininas. Por outro lado, ganhou quilos de músculos, uma voz de Darth Vader e, acho eu, centenas de e-mails com a mensagem “enlarge your penis”.

Se todo esse esforço trouxesse alguma transformação permanente, eu até compreenderia. Mas a própria entrevistada confessou: o declínio começa em quinze dias.

Que me perdoem os personal trainners, que me condenem os viciados em endorfina, mas o corpo humano gosta mesmo é de moleza. Não há exceção. Nascemos para mofar no sofá. Fomos feitos para dormir na rede. Somos geneticamente programados para odiar abdominal e amar ficar de barriga para cima.

Desconfio seriamente de pessoas que acordam às 5h30 da manhã cheias de energia. Ou são professores de lambaeróbica – que, apenas por este motivo, certamente não pertencem a este planeta – ou têm algum segredo (guardado geralmente no armário de remédios). Faço uma ressalva para crianças abaixo dos 6 e para adultos acima dos 60: o metabolismo nessas faixas etárias, por alguma razão inexplicável, prefere se alinhar ao horário das galinhas. Para todo o resto, os níveis usuais de preguiça obedecem a um padrão relativamente constante. Moderada no início da manhã, considerável logo após o almoço e incontrolável durante todo o domingo, mas principalmente à tardinha.

Talvez por influência dos pais, também neste ponto meu filho Antonio resolveu ser diferente da maioria das crianças. Em vez de capotar na novela das sete, gosta de dormir tarde. Em algumas manhãs, ele tem que fazer tanto esforço para sair da cama, que às vezes não consegue abrir um dos olhos direito. E, neste domingo, ao contrário dos pimpolhos que desde o primeiro raiar do sol esbanjavam fôlego embaixo do prédio, o Antonio se recusou a fazer absolutamente todos os exercícios que realiza perfeitamente nos outros dias. Tentamos de tudo, fizemos exatamente como a fisioterapeuta explicou: o danado nem se mexia.

Foi quando lembrei da fisioculturista, que provavelmente nunca se dava o direito de descansar, e ainda assim não tinha garantias para seu esforço. E apesar de ser extremamente adepto à disciplina, decidi por um dia colocar meu espírito espartano de lado e deixar o meu bebê relaxar. Fomos ver o lago, brincamos na areia do parquinho, tomamos uma ducha juntos para refrescar. Para os músculos dos braços, um dia perdido. Para os do sorriso, um dia inteiro para trabalhar.