quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Um grande fotógrafo

Festa de família. No mínimo, três gerações entre os convidados. Aniversário da avó, formatura do primo, bodas de Jequitibá da tia Inês. Não importa o motivo da reunião: as crianças sempre correrão aos berros, os homens sempre beberão e comerão demais, as mulheres sempre perderão a linha na hora da sobremesa, os mais novos sempre irão querer assoprar as velas junto com o homenageado, e, principalmente, as fotos sempre sairão terrivelmente enquadradas.

A chegada das máquinas digitais ajudou muito. A esta altura, é possível que a maioria dos integrantes de qualquer família – inclusive as mães – esteja curada do hábito medieval de cortar a cabeça das pessoas. Porém, por mais que a tecnologia tenha facilitado a árdua tarefa de encaixar parentes dentro de uma tela retangular, ainda não inventaram um dispositivo que obrigue o fotógrafo da vez a eliminar de quadro uma série elementos que estragam todo e qualquer retrato, como pratos sujos em cima da mesa, interruptores de luz nas paredes e garrafas pet de guaraná.

Estou a encarnações de ser um Henri Cartier-Bresson. Mal me considero um bom fotógrafo amador. No entanto, batizados, aniversários e festas afins são bastante simples de registrar. Talvez para me livrar da cruz de ser o eterno fotógrafo das festas da minha família, talvez para ajudar a quem morra de vergonha dos seus álbuns de infância, deixo aqui um curso rápido para iniciantes.

Primeiro, escolha a cena que deseja fotografar. É fundamental que contenha apenas um tema – não adianta querer agrupar o encontro dos primos, os arranjos de flores da cunhada e o seu poodle de estimação, que está usando uma gravata borboleta especialmente para a ocasião. Em seguida, retire os objetos desnecessários do enquadramento (no caso do encontro dos primos, retire tudo o que não é primo). Regra muito importante: afaste todos os dedos da frente da lente ou do flash. Para finalizar, dispare sem balançar a câmera.

Pronto. Garanto que as fotos ficarão minimamente decentes. Para os mais dedicados, há ainda a possibilidade mudar as cores para preto e branco, o que geralmente deixa tudo com um ar mais profissional e também ameniza a decoração dourada e rosa da festa de quinze anos da sua sobrinha. O resto fica para Sebastião Salgado e J.R. Duran. Só é preciso saber se você aspira a ser como eles, por hobby ou profissão.

A avalanche de celulares com câmera popularizou o hábito de tirar fotos. Sinceramente, acho o fenômeno muito interessante e divertido. Entretanto, mesmo que fiquemos apaixonados pela arte de congelar o tempo, e que juntemos nossos trocados para investir em câmeras com lentes protuberantes e manuais bíblicos, é importante termos a humildade de aceitar que a concepção de uma imagem realmente boa é uma empreitada para poucos. Exige muito mais do que mirar e apertar.

Não basta comprar equipamentos. Não basta haver uma cena interessante à frente. É preciso ser capaz de desfocar o óbvio. E fazer com que a sua própria história, a sua cultura e os seus preconceitos – especialmente a falta deles – revelem algo que apenas você consegue visualizar. Na hora de fotografar, os olhos são meros funcionários. Quem manda é a alma. É ela quem determina o que você consegue enxergar.

Há algum tempo, minha sogra estava com o Antonio no colo, quando dois garotos com cerca de oito anos se aproximaram e perguntaram:
– Quantos anos ele tem?

Ela respondeu:
– Dez meses.

Observando o estrabismo do Antonio, um dos garotos não conteve a surpresa:
– Nossa! Só dez meses e já consegue imitar olho de vesgo direitinho?!

Morri de rir quando me contaram esta história. Foi apenas um instante. E poderia ter passado em branco. Mas o olhar inocente do menino registrou o momento para sempre. Se este garoto conseguir preservar a sua falta de preconceitos e continuar a ver o mundo com uma perspectiva diferente da maioria, que grande fotógrafo o mundo ganhará.


Foto: Henri Cartier-Bresson

28 comentários:

  1. Fabinho,

    Não sei se fotografar é um arte, mas sei que muito pouca gente consegue fazer isso direito. Eu, por mais que tente, não passo de esforçado, tendendo a ruim.

    Boas férias!

    André

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  2. Senti falta de bater o ponto aqui na 2ª feira, mas que bom que em plena 4ª vc apareceu c/ um texto super gostoso. Adoro tirar fotos, mas nem de longe me considero boa nisso. Mas como vc mesmo falou, o que importa é a alma, então faço uso da minha e mando ver. Qto ao final do texto, só tenho uma coisa a dizer, que pena que quando crescemos perdemos a pureza do olhar de criança!!! Bjs

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  3. Saio sempre bem nas fotos que o Fábio me tira, he he he, mas me incluo no grupo das mães que cortam a cabeça dos familiares.

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  4. Fabio, faz tempo que não comento seus posts, mas tenha a certeza de que sempre os leio!!
    O Tijolinho Amarelo tem tomado muito o meu tempo, mas mesmo assim fico feliz em fazer as mamães e bebês felizes com nossos produtos!
    Como sempre seus textos são lindos, apaixonantes e cativantes, quem começa a ler vira fã incondicional como eu! Ví fotos do Tom curtindo as férias baianas, ele está muito lindo e gostoso! Estou em Fortaleza de novo (cheguei ontem) e espero que na minha próxima temporada brasiliense eu consiga visitar vocês e curtir o Tom como uma avó! Beijão para vocês três!!!

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  5. Escreví, escreví e nem comentei o assunto do blog!!
    Sou uma fotografa bem medíocre e tenho uma invejinha branca de quem tira fotos no mínimo decentes!!! Na verdade, não sei se falta "alma", sentimentos, ou se a máquina não ajuda!!!!
    Se eu treinar bem, pode ser que um dia eu chegue lá!!! Beijão!

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  6. Fala, Fabio! Não tenho dúvidas de que você seja um bom fotógrafo. Afinal, não há como não existir na sua câmera o que há na sua caneta: o desfoque do óbvio e a poesia! Ab, meu velho! Da Vila

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  7. Fabio, seus textos são sempre muito gostosos de ler e o de hj me fez lembrar que de fotógrafa eu não tenho nada, mas arrisco tirar umas fotinhos pra ter como recordação de eventos familiares e em muitas delas tem exatamente o que não deveria aparecer, como as garrafas pets, os interruptores e coisas do gênero, mas o que vale mesmo é a farra de reunir o pessoal e fotografar, seja lá de que maneira sair, a gente acaba se divertindo e dando boas risadas.E que J R Duran nunca veja nenhuma delas kkkkk. Bjs

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  8. Fabio,

    Fotos sao registros valiosos. Adoro!!!!
    Posta mais do tom!!!
    A gente fica esperando sempre!!!
    Bjo!!!
    Carol

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  9. Ahahahahha!!! Fiquei TODO o texto lembrando de uma foto minha: eu tinha um ano e estava na campanha (fazenda) dos meus avós. A foto, a princípio, é fofa. Mas no fundo tem uma cerca com um pelego pendurado que ESTRAGA TUDO!!! Postei essa bendita foto no Facebook e minha mãe ficou uma fera!! Disse que eu estava a "sarará" do acampamento do Movimento Sem Terra...
    Beijão pra você, Ana e Antonio.
    Manu

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  10. Ah, Fábio... como tu me emocionas!
    Quanta sensibilidade a tua e a do menino!!

    Vcs dois são ótimos fotógrafos: ele com o olhar, tu com a obra (o Antonio).

    Também tenho post novo que, de certa forma, foi inspirado no que tu escrevestes dias desses. Quando voltar de férias passa lá?

    Beijoooooooos!
    koisascomka.blogspot.com

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Primeiramente, obrigado pelas dicas e segundamente (como diria o adorável Odorico Paraguaçu) a alma inocente de uma criança contínua a ser o espelho da vida. Quando era pequeno e brincava com outras crianças, nunca sofri preconceito, era tratado de igual para igual. Só fui conhecer o preconceito depois que me tornei adolecente.
    Abraços a vc e ao Antonio...

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  13. Delicia de post! Adoro fotografar tudo, mas os mais importantes registros são feitos pelo coração!!! bjus pra vc e para o Antônio!!!

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  14. É Fabinho, também sofro deste mal de ser o fotógrafo oficial das festinhas de famíla.
    E ainda tenho o precedente de ter que criar o convite e fazer o famigerado banner que vai atrás da mesa do bolo.
    Quem mandou ser publicitário?
    Mas no teu post faltou uma dica: fazer o enquadramento da pessoa inteira na foto, e não centralizar pelo rosto da pessoa deixando cinco metros do teto da casa aparecendo, cortando as pernas das pessoas.
    Tooooodo mundo faz isso, e quando toca alguém tirar uma foto minha, lá se vão minhas pernas, e olha que já não são tão grandes assim...rs.
    Abraço.

    Reinaldo

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  15. Mãe, preciso dizer que melhoraste muito em relação a tecnologias. bj

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  16. Solange, certamente não falta alma ou sentimentos para você. É só praticar na máquina mesmo. bj

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  17. Da Vila, fotógrafo com a caneta, talvez. Com a câmera, passo aperto de vez em quando. rs Abraço

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  18. Sonia, tenho amigos por perto como você, que no fundo não ligam muito para as garrafas pet, olham as fotos como a lembrança de um momento. Mas quando eu for na sua casa, algum dia, vou dar uma verificada nos porta-retratos. rs. bj

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  19. Carol, atendendo a pedidos, já tem fotos do Tom no post novo: "O primeiro". bj

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  20. Manu, preciso ver essa foto. Vamos aproveitar esse sol e sair pra rua com os filhos. bj

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  21. Ká, estive lá no seu post antes mesmo de voltar de férias. Já já deixo um recado por lá. bj

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  22. Caparroz, você tem blog ou algo assim. Quero conhecer tua história e tua experiência. Obs: Odorico é a melhor personagem já criada. Inveja branca de Dias Gomes.

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  23. Cybelle, disse tudo: os registros mais importantes são feitos pelo coração. Não posso concordar mais. bj

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  24. Reinaldo, acho que nós, fotógrafos oficiais das próprias famílias, podemos escrever um manual de dicas práticas. A tua é verdade. Ô povo que gosta de tirar foto de teto e parede. Tem a categoria "Onde Está Wally?" também. Geralmente em paisagens. A pessoa fica tão pequena, mas tão pequena na foto, que não se consegue reconhecer. Abraço.

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  25. Oba!

    Como fotógrafa, tenho obrigação de comentar esse post!

    LINDO texto, muito verdadeiro... A fotografia é isso mesmo, uma forma de deixar que a alma fale através das lentes. É saber esperar o momento em que o teu coração pára de bater por um milésimo de segundo, justamente aquele que guarda a foto perfeita.
    É como digo, Fabio, eu fotografo com a pretensão (enorme, talvez impossível) de eternizar a leveza da vida...
    Mas lendo teu texto, pensei que nada como uma criança para mostrar como ser leve e fazer a vida leve...
    Voilà...

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  26. Dani, por falar nisso, seria ótimo ter fotos do Tom feitas por você. Vamos combinar?

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  27. Obaaaa, mas com o maior prazer do mundo!!!

    Me manda um e-mail quando quiser! Beijão
    contato@danieladytz.com

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