Há muitos anos, muito antes de eu passar
cerca de oito horas dos meus dias vendendo cola de dentadura, shakes dietéticos e empréstimos bancários a taxas imperdíveis, fantasio
com a ideia de transformar a quarta-feira em domingo.
Nenhum problema com a profissão que eu
escolhi com toda a maturidade e auto-conhecimento que se tem aos 17 anos. Mas
na minha opinião, um dia em que o indivíduo não tem tempo nem para almoçar não
pode ser apropriadamente chamado de útil. E creio honestamente que Deus tenha
adorado criar as plantas, os animais e as pessoas, porém aposto que Ele só foi
feliz mesmo no seu domingão, com seu belo caneco de cerveja de trigo e
futebolzinho na TV, e tantas outras maravilhas que inventou, mas que só pode
desfrutar em um dia inútil.
Logo que comecei a trabalhar em agência de
propaganda, um profissional respeitadíssimo da área escreveu um texto em que
dava o seguinte conselho para uma turma de formandos: “trabalhem, trabalhem,
trabalhem”. À medida que percebi que o autor não só era brilhante, mas que também
tinha toda a razão, senti um frio na espinha. Ingênuo até a fronteira com a
estupidez, eu acreditava do fundo do meu coração que tinha escolhido uma
profissão em que as pessoas liam, liam, liam. Que iam ao cinema, iam ao cinema,
iam ao cinema. Que viviam, viviam, viviam.
Ao contrário das minhas expectativas,
cruzei com um monte de sujeitos de poucos livros na estante, cabelos esquisitos e que
enchiam o peito para dizer que não tiravam férias há cinco anos. Os anos foram
passando – e eu seguindo piamente a recomendação de trabalhar sem pestanejar –
até que tomei coragem de parar, pensar melhor e discordar do guru, pelo menos em parte.
Pela ordem natural das coisas, formiga é
formiga e homo-sapiens é homo-sapiens. Não nascemos para carregar pedra. Nascemos para pensar. O trabalho
exaustivo traz frutos sólidos, sem dúvida. Mas as experiências de vida, mesmo
as exaustivas, têm valor igual ou maior. Minha proposta é um equilíbrio mais justo entre
trabalho e descanso, trabalho e descanso. O repouso é uma oportunidade para
refletirmos se o nosso ganha-pão é o caminho que queremos da vida. E, se for o
caso, ainda ajuda a juntar forças para recomeçar. Conheço uma dentista que está
virando advogada aos 30. Jantei no restaurante de um médico que virou chef depois dos 40. Essas pessoas respiraram. E escolheram uma nova
estrada para andar.
Outro dia estava comentando com um colega
de trabalho o quanto tenho sido acordado à noite pelo Antonio. O meu amigo, que
é pai de uma menina de 11 anos, contou que nos primeiros anos chegou a ter que
dormir no berço da filha, para que ela parasse de chorar. Coincidentemente,
pouco tempo depois, descubro um filme espanhol da Coca-Cola, para o dia dos
pais, muito singelo e verdadeiro, inspirado exatamente nessa situação. Ponto
para os hereges que escolhem sair às sete e passar as noites com suas famílias.
Não posso afirmar, mas tenho um forte pressentimento de que o criativo que teve
a ideia do comercial vivenciou aquilo na pele.
Meu elogio ao ócio parte da premissa de que
ele seja desfrutado de forma responsável. Não pode faltar comida em casa. Mas
uma vez supridas as necessidades básicas, ligue sim para os amigos e saia para
tomar uns chopes. Às vezes, em busca da nova Mercedes, ou do novo cargo, vamos
deixando a vida passar. Até que ela vem e nos dá um tapa na cara, com uma
doença, com um filho especial, com o que quer que seja necessário para você
acordar.
Já que o tema é
publicidade, deixo aqui um outro filme, também espanhol, também da Coca-Cola,
que tem uma mensagem emocionante sobre tudo isso que estou falando.
Certamente o senhor do comercial também deseja que a quarta-feira se transforme em domingo.
Aos 102 anos, ele sabe que a vida é muito curta para pensarmos apenas em
trabalhar. Bom final de semana.
Think, think, think
Many
years ago, way before I started spending eight hours of my days
creating ads to sell denture adhesive, dietetic shakes and bank loans
(“in rates one cannot miss”), I began wondering how nice it would be if
we could turn Wednesdays into Sundays.
I
have no problem with the profession that I chose with all the maturity
and self-knowledge one has at age 17. But, in my opinion, if a person
doesn’t even have time to stop working for lunch, the day shouldn’t
really be called useful. I honestly believe that God must have loved
creating plants, and animals, and people, but I also bet that he must
have been truly happy on a Sunday, resting with his big mug of beer,
with his football on TV and with many other wonders that He had
invented, but that one can only really enjoy in useless days.
Soon
after I started working at an ad agency, a very well known Brazilian
copywriter wrote an article in which he gave a piece of advice for fresh
advertising graduates: “work, work and work”. As I realized the author
wasn’t just brilliant, but also that he was absolutely right, I felt a
chill down my spine. As a naïve boy, almost stupid, I had believed
deeply in my heart that advertising guys were people that read, read and
read. I had believed I would be able to go to movies, go to the movies
and go to the movies. I thought that admen in general were people that
had time to enjoy life, enjoy life and enjoy life.
Instead,
I came across lots of work colleagues that had few books on their
shelves, that wore weird hairstyles and that were full of themselves
while proclaiming they did not have a single day on vacation over the
last five years. Time went by, and I followed blindly the advice to
work, work and work. However, one given day I had the courage to stop
for a moment, rethink and disagree from the well known copywriter, at
least partially.
By rules of nature, ants are ants, and homo sapiens are homo sapiens. We were not built to spend our lives carrying stones. We are made to think.
No doubt that exhaustive work brings along solid results and success.
However, simple experiences from everyday life outside work are, in my
opinion, equally valuable, or even more valuable. My proposition is a
fairer balance between work and rest, work and rest, work and rest.
Resting is an opportunity to think over if our job is really the path we
want for life. And, in case you decide to make a big change, resting
still helps to gather strength and start again. I know a dentist that is
turning into a lawyer at age 30. Recently, I had dinner in a restaurant
of an ex-doctor, who decided to become a chef long after he was 40.
Those people took their time to breathe. And they have chosen a new path
to walk on.
The
other day I was talking with a co-worker about how often I have been
awakened at night by Antonio. My friend, who is a father of an
11-year-old girl, told me that, at some point in the past, he had to
sleep in his daughter’s cradle, so she would stop crying. A while after
that, coincidently, I found out a Coca-Cola commercial for Father’s Day,
created in Spain, that was very true, very simple and surely inspired
by that exact situation. High five to all people who have the guts to
leave work punctually at 7 p.m. and go home in order to spend time with
their families. I cannot assure, but I have a strong feeling that the
creative mind who had the idea for that Spanish commercial lived through
that exact situation.(Watch it in Spanish on the YouTube link above. Translation: "For each corrupt man... there is 1 million dads doing all they can, asking for nothing. There are reasons to believe in a better world. Happy Father's Day.")
My
advocacy in favor of idleness depends on the premise that it must
enjoyed in a responsible way. There must not be an empty fridge at home.
However, once the basic needs are fulfilled, call your friends, go out
and have a couple of beers. Sometimes, while working our asses out for a
new Mercedes-Benz, or a new job position, we let life go by. And we
keep doing it until life decides to slap us in the face, either with a
disease, or a special needs child, or whatever it takes for us to wake
up.
Since
we’ve been talking about advertising, I leave you with another
commercial (subtitled in English), also from Coca-Cola, also created in Spain, in which there
is a beautiful message about the point I’m trying to make. Certainly the
character in the commercial also wishes that Wednesdays turn into
Sundays. At 102 years-old, he definitely knows that life is way too
short to be wasted inside an office. I truly recommend you watch it. Have a nice week.
Tradução: Mariana Casals
Tradução: Mariana Casals
Estou na fase de transição... Deixei a "repartição" pra trás e penso seriamente em cursar jornalismo... Será que me transformarei em jornalista que gosta de arquitetura? Provavelmente...
ResponderExcluirNunca é tarde para ver que a vida tem muito a oferecer...
ResponderExcluir... do texto não preciso nem dizer. Já estou fã de tua escrita. Dos vídeos, hoje, um me fez chorar , o outro , pensar. #momento.de.refletir
ResponderExcluirÉ a eterna busca pelo equilíbrio: nem tão pouco esforço a ponto da falta de dinheiro ser um problema, nem tanto sacrifício/trabalho q te impeça de "viver a vida".
ResponderExcluirConcordo plenamente!! Não só com a necessidade de estarmos alertas ao que nos faz feliz (visto que deixei o marketing para atender nutrição esportiva.. rsrs), mas com a necessidade da "pausa" para avaliarmos a vida, refrescarmos a mente e estarmos mais aptos a PENSAR já que esse é o diferencial da nossa espécie, né? Beijos e parabéns!!!!
ResponderExcluirCamila, lembrei de várias pessoas enquanto escrevia este texto. Vocé é uma delas. bj
ResponderExcluirFico tão feliz de encontrar alguém que também queria que quarta-feira fosse domingo! Imagina, que justo: trabalha dois dias, descansa um; trabalha dois dias, descansa dois.
ResponderExcluirEm publicidade, orgulha-se de trabalhar sem parar, virar noite, sair tarde todo dia. Mas e o tempo para viver? Para ser pessoa, e não só redator? Como ter ideias sem ter referências, que estão na vida lá fora?
Se for abrir uma agência, me avise que quero ser contratada. Isso se já não ter saído dessa publicidade para viver outros sonhos ;)
Exato. Prefiro ser editor dos seus livros. Bora? bj
ResponderExcluirFantástico! Deveríamos ter mais tempo na vida para desfrutar das coisas boas. Trabalhar cinco dias por semana é demais! Não ter tempo para almoçar? Ridículo! Quarta feira se transformar em domingo? Perfeito! Adorei!
ResponderExcluirLourdes, aos poucos a gente monta um exército e consegue aprovar essa proposta. rs rs Que bom que gostou.
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